Ibama libera terras indígenas embargadas por irregularidades ambientais em MT

Índios arrendam suas terras para plantio de soja de produtores rurais brancos

Em um despacho no último dia 23, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, desembargou 22 mil hectares, atacou as multas aplicadas pelo órgão contra indígenas e fazendeiros e atraiu para si todos os processos que envolvem cinco terras indígenas pareci e nambiquara no noroeste de Mato Grosso.

Essa área tem sido foco de pressão da bancada ruralista desde o começo do governo Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Os ruralistas e associações indígenas querem a regularização do arrendamento, que eles chamam de “parcerias”, das terras indígenas para não indígenas na região, a fim de produzir soja e milho em larga escala.

Os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura) chegaram a visitar as terras embargadas, em fevereiro, para manifestar apoio aos produtores rurais e parecis.

Na ocasião, Salles disse que os indígenas e fazendeiros “são perseguidos por agentes estatais, que, graças à visão ideológica da melancia [verde por fora, vermelha por dentro], suscitam as mais absurdas posições para menosprezar, minar o trabalho desse grupo”.

O despacho representa o recuo de todos os atos praticados pela fiscalização do Ibama sobre o assunto na região.

A área de fiscalização do órgão havia aplicado, em maio de 2018, multas de R$ 2,7 milhões contra produtores rurais e associações indígenas após confirmar, com exames laboratoriais, o plantio de soja e milho transgênicos em quatro terras indígenas. As sementes foram levadas à região por fazendeiros que fecharam contratos de “parcerias” com os índios.

O cultivo e a pesquisa de organismos geneticamente modificados em terras indígenas são proibidos pela lei 11.460, de 2007.

Ao todo, o Ibama aplicou multas de R$ 133,9 milhões contra 17 arrendatários não indígenas e R$ 6,3 milhões contra associações indígenas. O arrendamento é proibido pela Constituição, mas manifestações da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Ministério Público Federal sinalizam para a legalização da prática na região, que ganhou força a partir de 2004.

As cerca de 47 multas aplicadas pelo Ibama, porém, estavam relacionadas apenas aos supostos crimes ambientais, não à questão das “parcerias”, que foge do escopo legal do órgão.

Além do uso dos transgênicos, os fiscais apontaram como irregularidades “fazer funcionar atividade de utilizadora de recursos ambientais e considerada potencialmente poluidora (atividade agrícola), contrariando as normas legais” e “impedir a regeneração natural de vegetação nativa”, ambas previstas no decreto 6514/08.

Sobre o uso dos transgênicos, Bim concordou que a lei “é categórica em proibir tal prática”, porém argumentou que “não ficou claro nas autuações a razão pela qual existe diferença de valor entre índios e não índios, já que se tratava de parceria que contava inclusive com o aval da Funai [Fundação Nacional do Índio]”. Para o presidente do Ibama, a diferença pode implicar tratamento discriminatório.

Bim também reconheceu, em sua decisão, que não se tem “propriamente a regularidade da área”, tendo em vista “a não assinatura” de um acordo, ainda em fase preliminar, “nem o julgamento definitivo dos autos de infração”. Porém, escreveu Bim, “as partes comungam o entendimento de que a minuta apresentada atende a todos, apenas faltando as opiniões do assessoramento jurídico do Ibama e da Funai, ou seja, a regularização está em curso”.

Bim diz que há a intenção dos indígenas de regularizarem a atividade e a necessidade de manter as lavouras mecanizadas nos moldes atuais até a implantação de projeto a ser elaborado pela Embrapa com a Funai, consoante o Termo de Ajustamento de Conduta anteriormente celebrado, juntamente com o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República em Mato Grosso.

Sobre o impedimento da regeneração natural das áreas, Bim afirma que “terra indígena não é unidade de conservação, conforme parecer da Procuradoria Federal Especializada do Ibama, não havendo que se falar em dever se manter a vegetação intocada”.

Segundo ele, assim não seria possível “caracterizar o impedimento da regeneração natural, o que violaria a autodeterminação dos índios garantida pela Convenção OIT 169 [da Organização Internacional do Trabalho] de trabalharem a sua terra dentro dos limites permitidos pelo Código Florestal”.

A respeito do ato do embargo, Bim diz que ele “tem o objetivo de impedir a continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à recuperação da área degradada, razão pela qual se permite o levantamento do embargo mediante a comprovação de que as atividades desenvolvidas na área embargada já estão regularizadas”.

“Considerando-se que o trâmite do processo sancionador resta pendente de análise, mas levando-se em conta o interesse das partes na celebração do acordo e o tempo do exame de sua viabilidade jurídica, a melhor solução que se apresenta no momento é o desembargo imediato das áreas, até para se impedir, em última instância, o prejuízo que as partes querem evitar com o acordo. Quando da assinatura do acordo, a manutenção do desembargo de tais áreas ocorrerá por força do instrumento de resolução pactuado entre as partes, não mais pelo presente ato administrativo”, disse Bim.

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