Câmara: comissão aprova projeto sobre terrorismo criticado por especialistas

Oposição fala em perseguição a movimentos sociais e possível 'polícia secreta de Bolsonaro'; procuradores e delegados federais também criticam. Defensores da proposta negam riscos.

Por 22 votos a 7, a comissão especial da Câmara que analisa um projeto de lei sobre ações de combate ao terrorismo no país aprovou na madrugada desta sexta-feira (17) o relatório do deputado Sanderson (PSL-RS), aliado do governo. A matéria ainda terá que passar pelos plenários da Câmara e do Senado.

Apresentado pelo deputado Vitor Hugo (PSL-GO) em 2019, o projeto é uma reedição de uma proposta de 2016 do então deputado e atual presidente Jair Bolsonaro.

O relator afirma que a proposta tem como objetivos prevenir ações de terrorismo, combater a ameaça – caso ela venha a ocorrer – e minimizar os danos causados pelo ato. Já especialistas veem brechas para a perseguição de movimentos sociais.

Especialistas criticam trechos

 

Um dos pontos mais criticados por especialistas é um dispositivo que amplia a definição de atos que podem ser equiparados a terrorismo, ainda que estes não estejam tipificados como tal em lei.

Segundo o projeto, a lei pode ser aplicada contra atos que “sejam ofensivos para a vida humana ou efetivamente destrutivos em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave”.

Para críticos, o dispositivo é amplo demais e poderia enquadrar, por exemplo, manifestações democráticas.

“Ao expandir o escopo da aplicação de instrumentos contraterroristas, pode limitar o exercício das liberdades fundamentais, além de colocar em risco atores da sociedade civil e defensores dos direitos humanos”, alerta a assessora jurídica do Instituto Igarapé, Maria Eduarda Pessoa de Assis.

Outro ponto polêmico é o controle direto, por parte do presidente da República, da autoridade nacional contraterrorista, responsável pela Política Nacional Contraterrorista.

Além disso, a presidência poderá criar unidades contraterroristas, formadas por militares e civis “especialmente selecionados”. A oposição reclama que esses dispositivos criariam uma espécie de “polícia secreta” de Bolsonaro.

“A gente está votando um projeto que tem como objetivo principal criar uma polícia secreta do Bolsonaro. São pilares para um estado policialesco e fascista”, disse o deputado Paulão (PT-AL).

O projeto também prevê a decretação de intervenção federal, do estado de defesa, do estado de sítio ou da Garantia da Lei e da Ordem durante ações de combate ao terrorismo, sejam elas preventivas ou repressivas.

Outras críticas

 

O relatório recebeu críticas de delegados da Polícia Federal e de procuradores da República.

Em nota divulgada no último dia 7 de setembro, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) diz que o projeto “coloca em risco a preservação do núcleo essencial de direitos como a liberdade de expressão, associação e reunião pacífica, além do próprio direito de protesto”.

O presidente da Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, diz que o texto causa “grande preocupação” e que a falta de clareza nos dispositivos pode levar ao “risco de interpretações equivocadas que podem criminalizar ações de movimentos sociais e sindicais, especialmente os que provoquem algum tipo de incômodo ao governo da vez”.

“Os órgãos responsáveis por prevenção e repressão ao crime de terrorismo sabem que a concentração de poder em uma dita ‘autoridade nacional’ pode gerar uma atuação paralela a das instituições de Estado nos diferentes entes da federação”, avaliou Paiva.

Na última segunda-feira (13), durante abertura da 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, também criticou o projeto. Segundo ela, o texto pode resultar em abusos e perseguições de ambientalistas e defensores dos direitos humanos no Brasil.

Excludente de ilicitude

 

Entre outros pontos, o projeto prevê o chamado excludente de ilicitude para condutas específicas. O excludente consiste em isentar de punição um militar ou um agente de segurança que cometa um ato proibido por lei, como matar.

Segundo o texto, presume-se que o agente público envolvido em operações contraterroristas atua em legítima defesa quando dispara arma de fogo “para resguardar a vida de vítima, em perigo real ou iminente, causado pela ação de terroristas, ainda que o resultado, por erro escusável na execução, seja diferente do desejado”.

O texto também livra de punição o agente infiltrado que comete crimes durante a operação “quando a situação vivenciada o impuser”, especialmente se para proteger a própria vida.

A ANPR diz que a previsão é “excessivamente ampla” e, com isso, há o risco de o projeto “legitimar violações de direitos fundamentais por parte dos agentes públicos, mediante a disseminação de uma atuação ostensiva e violenta”.

Papel da presidência

 

O projeto institui o Sistema Nacional Contraterrorista (SNC), que coordenará atividades de preparo e de emprego das forças militares e policiais e das unidades de inteligência em relação às ações contraterroristas.

Além disso, define que a execução da Política Nacional Contraterrorista (PNC) será levada a efeito pela autoridade nacional contraterrorista, nomeada pelo presidente da República e sob supervisão do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.

Ainda segundo o projeto, os recursos alocados pelo governo para implementar a Política Nacional Contraterrorista não serão remanejados do orçamento das Forças Armadas.

A proposta também prevê que o Presidente da República ative ou institua o Comando Conjunto de Operações Especiais e o Grupo Nacional de Operações Especiais, unidades estratégias contraterroristas.

Diretamente subordinadas à presidência da República ou a autoridade por ele designada, os comandos serão compostos por militares e civis “especialmente selecionados”.

Procuradores também criticaram esses dispositivos, afirmando que a medida “acarreta sobreposição de funções e usurpação de atribuições de outros entes federativos”, desconsiderando, por exemplo, a existência do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

Ainda segundo a ANPR, “há a preocupação com a formação de um sistema paralelo de vigilância e segurança e a estipulação de poderes concentrados nas mãos do Presidente da República”.

Controle pelo Congresso

 

A proposta estabelece que o controle e a fiscalização externos das ações contraterroristas serão exercidos pelo Poder Legislativo, em forma ainda a ser estabelecida em ato do Congresso.

Segundo o texto, o órgão de controle será composto por parlamentares – líderes da maioria e da minoria da Câmara e do Senado e presidentes das comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional e de Segurança Pública das duas Casas.

Na nota, a ANPR afirma que o dispositivo não resguarda as atribuições constitucionais do Ministério Público – entre elas, a função de exercer o controle externo da atividade policial – e “merece ser revista em razão da discricionariedade conferida ao Congresso Nacional, por ato distinto de lei, no enfrentamento da questão”.

Identidade falsa

 

O texto também permite a infiltração de agentes com identidades falsas em operações para prevenir e reprimir as atividades consideradas terroristas.

De acordo com o projeto: “O poder público viabilizará a proteção da identidade de agentes públicos contraterroristas quando empregados nas ações contraterroristas, inclusive por meio de autorização de uso da identidade vinculada de segurança”.

Conforme o projeto, identidade vinculada de segurança é o documento cujos dados de qualificação e as referências a outros registros públicos associados a uma pessoa física são diferentes dos efetivamente atribuídos ao agente que o porta.

A proposta também autoriza a infiltração em organizações terroristas se houver indícios de condução de “atos preparatórios” em relação ao crime de terrorismo. Segundo nota da organização Conectas, a redação da proposta “resulta na possibilidade temerária de criminalização de meras intenções”.

Lei de Acesso à Informação

 

O projeto inclui um novo dispositivo na Lei de Acesso à Informação (LAI) para permitir que as autoridades responsáveis pela tomada de execução de ações contraterroristas tenham “acesso irrestrito” às informações classificadas como sigilosas que “sejam críticas para o sucesso das ações”.

Pela proposta, aqueles que fizerem uso indevido das informações serão responsabilizados, mas o texto não especifica como.

“Acesso à informação sigilosa quando houver indícios de atos terroristas é dizer o seguinte: eles querem ter acesso a todos os e-mails, a todas as mensagens, a todas as ligações telefônicas do povo brasileiro para conter a oposição”, criticou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

Debate

 

O relator da matéria, deputado Sanderson (PSL-RS) negou que o projeto tenha viés político ou ideológico.

“Em nenhum momento traz criminalização de movimentos sociais, qualquer tipo de ataque ou colocação de risco da democracia brasileira”, disse.

Autor da proposta, o deputado Vitor Hugo disse que a proposta irá “proteger vidas, salvaguardar a capacidade do Estado de tomar decisões e proteger o patrimônio público e privado”.

“[O projeto] Prestigia as forças armadas, as polícias, os órgãos de inteligência. O Brasil fica mais protegido a partir da aprovação desse projeto”, disse.

Vice-líder do governo, o deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM) defendeu o avanço da proposta.

“É um trabalho de inteligência, integrar a inteligência do nosso país para não acontecer o que aconteceu nos 20 anos de história do 11 de setembro, não tem nada a ver com manifestações, com questões antidemocráticas.”

O líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que a redação do projeto abre brecha para “repressões políticas disfarçadas de ações contra terroristas”.

“A aprovação desse projeto pode acabar, sem a devida discussão, fazendo com que sejam criados instrumentos de perseguição a determinados grupos da sociedade civil e a oposições políticas, o que não é compatível com ambiente democrático e livre, por mais que saibamos que esse ambiente incomoda o presidente”, disse Molon.

O parlamentar lembrou ainda que, recentemente, já foi promulgada a lei antiterrorismo para atender a compromissos internacionais, “mesmo não sendo esse um problema nacional”.

A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) disse que o projeto cria uma “polícia privada de Bolsonaro” e não deveria ser a prioridade de um país com 15 milhões de desempregados.

“É preciso fortalecer a democracia e não ter matérias que são retrocessos a nossa já frágil democracia brasileira”, disse.

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Fonte globo
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