Fundo bilionário, casos fatiados, prisões: 5 crises entre Lava Jato e STF

Os embates entre os membros do STF (Supremo Tribunal Federal) e investigadores da Operação Lava Jato não vêm de hoje. Desde 2014, pelo menos cinco situações mostram as disputas entre os dois lados, algumas delas com mais ou menos acidez. Veja a seguir alguns momentos de crise entre os dois setores.

1. Fatiamento de investigações

Teori: não quero todo caso de corrupção Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Entre o final de 2015 e o início de 2016, o STF decidiu que investigações sem relação com a Petrobras deveriam ir para outros estados, tirando a competência do então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Com isso, o caso de corrupção da Eletronuclear foi remetido ao Rio de Janeiro. E casos ligados à empresa Consist, ligada ao Ministério do Planejamento, foram para São Paulo.

O então ministro Teori Zavascki dizia à época que não era responsável para julgar “todos os casos de corrupção do país”.

A delegada Érika Marena, à época coordenadora da Lava Jato na Polícia Federal do Paraná, reclamou das mudanças.

A eficiência das investigações decorre de termos um grupo de investigadores especialmente designado junto à PF e ao MPF, com a 13ª Vara com designação exclusiva para a Lava Jato Érika Marena, delegada

Mesmo contrário ao fatiamento das investigações àquela época, o ministro Gilmar Mendes negou que a decisão e as solturas de presos fossem iniciativas contra a Operação Lava Jato.

Tivemos algumas decisões sobre libertações de pessoas, mas que são normais, uma vez que houve as instruções processuais e aí é bastante natural que o STF conceda o habeas corpus. Há teorias conspiratórias, mas isso é normal Gilmar Mendes, ministro do STF

2. Soltura de Paulo Bernardo

Andrey Borges: “perplexidade” com o STF Imagem: Marcelo Oliveira/Divulgação/MPF

O ex-ministro Paulo Bernardo foi preso na fase Custo Brasil, organizada pela equipe da Lava Jato em São Paulo em 2016. Mas acabou solto graças a uma decisão do ministro do STF Dias Toffoli, uma soltura feita “de ofício”, sem pedido de advogados. Em reação, o MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo disse que via a decisão com “perplexidade”, segundo nota assinada por quatro procuradores, entre eles Andrey Borges de Mendonça.

 

 

O ministro suprimiu instâncias que ainda iriam tomar conhecimento do caso e nem sequer ouviu a Procuradoria-Geral da República Procuradores do MPF em São Paulo em nota

Para um procurador da Lava Jato ouvido pelo UOL neste domingo (17), a soltura do ex-ministro do Planejamento foi um “duplo twist carpado do Toffoli em favor do Paulo Bernardo”, afirmou, em referência a um difícil movimento da ginástica artística.

3. Pesquisa sobre ministros

Mendes: 100 dias à frente Imagem: Fátima Meira/Futurapress/Estadão Conteúdo

No mesmo mês em 2016, rumores indicavam que procuradores estavam perguntando a delatores se conheciam fatos ligados a ministros do Judiciário e seus filhos. O fato causou revolta no STF.

Um desses casos envolvia a empreiteira OAS. O ex-presidente da empresa, Leo Pinheiro, citou o ministro Dias Toffoli, segundo a revista Veja. Mas, após a revelação da notícia, a negociação para o acordo de delação foi suspensa.

O ministro Gilmar Mendes saiu em defesa do tribunal.

 

Essas pessoas estão 100 dias à frente de nós Gilmar Mendes, ministro do STF

Ele repetiu frase semelhante em uma entrevista à Jovem Pan, quando atribuiu o vazamento à Procuradoria. “Eu disse que, quanto à probabilidade, era mais provável que tenha vindo do Ministério Público. O MP, nas investigações, está 100 dias adiantado. Eles dispõem de informações de delações É preciso ter cuidado neste momento.”

4. Prisão em segunda instância

Mello: “Longe de mim o populismo” Imagem: Rosinei Coutinho/STF

Em 2016, o STF desfez um entendimento dele próprio, de sete anos antes, em 2009. Assim, voltou a permitir que pessoas fossem presas após a condenação por um tribunal de segunda instância. A mudança foi entendida como um efeito da Operação Lava Jato sobre a corte suprema.

Mas, em 2018, depois da condenação em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o tema voltou ao plenário da corte.

O coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, organizou um abaixo-assinado contra a possível medida para livrar Lula e outros investigados. E anunciou que estava em jejum pelo julgamento.

Quarta-feira é o dia D da luta contra a corrupção na #LavaJato. O cenário não é bom. Estarei em jejum, oração e torcendo pelo país Deltan Dallagnol, procurador da Lava Jato

No julgamento, porém, o decano do STF, Celso de Mello, reclamou do “populismo judicial”. O termo se refere àqueles que tomam decisões sem base na lei, mas no clamor popular.

Longe de mim o populismo judicial. Longe de mim a postura politicamente correta, a hipocrisia. Creio que esta capa me atribui o dever maior, que é o dever de buscar a prevalência das leis da República Celso de Mello, ministro do STF, sobre a prisão em 2ª instância

Ao final, o STF confirmou que o julgamento anterior: uma pessoa pode ser presa após a condenação por tribunal. Lula acabou detido nos dias seguintes.

5. Casos enviados à Justiça Eleitoral

Castor (dir.): impunidade histórica Imagem: Rodrigo Félix Leal/Futura Press/Estadão Conteúdo

Na semana passada, o STF julgou um recurso para que as investigações de corrupção que incluíssem suspeita de crimes típicos de campanha, como caixa 2, fossem enviadas à Justiça Eleitoral. Isso tiraria os casos das mãos dos procuradores da força-tarefa. A expectativa para o julgamento e seu resultado causaram uma crise crescente.

Em 9 de março, o procurador da Lava Jato em Curitiba Diogo Castor escreveu artigo sobre “o mais novo golpe à Lava Jato”, criticando a possível decisão do STF.

 

A Justiça Eleitoral (…), historicamente, não condena ou manda ninguém para a prisão Diogo Castor de Mattos, procurador da Lava Jato

Toffoli: “Calúnia não será admitida” Imagem: Lucio Tavora/Estadão Conteúdo

Na quarta-feira passada (13), data do início do julgamento, Toffoli anunciou um processo contra o procurador. A ação será no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e na corregedoria do MPF (Ministério Público Federal) “em razão dos ataques desse procurador à Justiça Eleitoral”.

 

 

 

Não é admissível esse tipo de ilação. A calúnia, a difamação, a injúria não serão admitidas Dias Toffoli, presidente do STF

As críticas continuaram. No mesmo dia, um colega de Castor, o procurador Roberson Pozzobon, publicou a hashtag “#STFnãoMateLavaJato”.

Grupos bolsonaristas reativaram suas redes de mensagens de WhatsApp para atacar o STF durante a semana. Nos textos, citavam “a toga contra o povo”.

Na quinta-feira (14), durante o segundo dia de julgamento, Dias Toffoli anunciou a abertura de um inquérito contra supostas notícias falsas e calúnias contra os ministros. Procuradores estão entre os alvos.

Durante a sessão, o ministro Gilmar Mendes chamou os procuradores da Lava Jato de “cretinos”.

O que se trava aqui, a rigor, a par de um debate sobre competência [atribuição legal], é uma disputa de poder e, se quer ganhar a fórceps, constranger, amedrontar as pessoas.

Impondo derrota aos procuradores, o STF decidiu que a Justiça Eleitoral julgará casos de corrupção que envolvam suspeitas de caixa 2.

Em reação, na sexta-feira (15), a ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República) criticou as declarações de Mendes e o inquérito aberto por Toffoli. “Ninguém deve ser punido por ser duro, ácido ou agudo nas críticas, nem por expressar aquilo que pensa, sobretudo quando há nítido interesse público no debate”, diz a entidade, em nota assinada pelo presidente, José Robalinho.

Gilmar Mendes tem se utilizado de sua posição para uma prática rotineira de caluniar, difamar e injuriar os próprios colegas de toga, integrantes do Ministério Público José Robalinho, presidente da ANPR

No sábado (16), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defendeu a decisão dos ministros do STF e criticou os ataques sofridos pelos magistrados.

A decisão do Supremo era a decisão correta, mesmo que alguns não gostem. Não se pode atacar nem ameaçar os membros ministros do Supremo Rodrigo Maia, presidente da Câmara.

No mesmo dia à tarde, os procuradores fizeram um ato de desagravo em frente ao MPF no Paraná, em Curitiba. Segundo o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, as decisões do STF e mesmo da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre a fundação de R$ 2,5 bilhões que os investigadores queriam criar prejudicam os esforços de combate à corrupção.

Nunca houve tanta pressão sobre a Lava Jato como nesta semana Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa

Ontem, a Operação Lava Jato fez cinco anos, após denunciar 426 pessoas e fechar 183 delações premiadas, algumas com problemas. Militantes do MBL (Movimento Brasil Livre) fazem protestos em várias cidades do país contra o STF, chamando-o de “vergonha”.

Em entrevista ao UOL, Roberson Pozzobon disse que o STF deu uma “mensagem de esperança” aos criminosos de colarinho branco.

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Fonte UOL Notícias
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