Lira fala em “insatisfação generalizada” de deputados com o governo e diz que Câmara não deve ser responsabilizada por falta de articulação do Planalto

Em entrevista a jornalistas, presidente da Câmara nega “achaque” e diz que governo tem falhado em construir base de apoio na casa legislativa

Em meio ao impasse envolvendo a tramitação de medida provisória que trata da reestruturação dos ministérios do governo (MPV 1154/2023), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou, nesta quarta-feira (31), que há uma “insatisfação generalizada dos deputados” com a articulação política do Palácio do Planalto.

Ao chegar à casa legislativa para conduzir a sessão plenária desta noite, Lira confirmou que conversou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por telefone nesta manhã e apontou os problemas enfrentados pelo governo no Congresso Nacional.

Mas disse que o suposto encontro pessoal entre os dois, que chegou a ser ventilado na imprensa mais cedo, se tratava de “notícia fake”.

“O presidente Lula me ligou de manhã, nós conversamos, eu expliquei a ele as dificuldades que o governo dele tem e precisa que a imprensa trate isso com clareza. O problema não é da Câmara, não é do Congresso, o problema está no governo, na falta ou ausência de articulação”, afirmou.

Em entrevista a jornalistas na chapelaria do Congresso Nacional, Lira disse que “tem dado o máximo” para fazer avançarem matérias “de Estado” que tratem de “interesses do país” e negou que haja qualquer tipo de “achaque” ou “pedidos” por parte dos parlamentares ao governo.

 

“É importante que as pessoas saibam que a realidade do Congresso Nacional não é a mesma, sem nenhum tipo de achaque, sem nenhum tipo de arroubo. Quantas matérias mentirosas foram feitas [na imprensa] hoje?”, disse.

“Não há achaque, não há pedidos, não há novas ações. O que há é uma insatisfação generalizada dos deputados e talvez dos senadores, que ainda não se posicionaram, com a falta de articulação política do governo, e não de um ou outro ministro”, pontuou.

“Estamos fazendo um esforço sobre-humano para que essas coisas tramitem, mas todos os senhores sabiam a dificuldade das pautas como estava na Câmara”, continuou.

Assista a um trecho pelo vídeo acima.

Durante a conversa com os jornalistas, Lira evitou fazer prognósticos sobre se o governo teria votos suficientes para aprovar a medida provisória, que deve perder validade caso não tenha tramitação concluída no parlamento até a noite de quinta-feira (1º).

Mas fez questão de deixar clara a fragilidade do governo na casa legislativa ao estimar que a base de apoio de Lula conte com apenas 130 votos “constantes” no plenário da Câmara – o que equivale a pouco mais de 25% da totalidade de assentos.

 

“O presidente da Câmara ajuda, é um facilitador, ele não é líder de governo nem líder de oposição. Quanto mais um presidente que teve a votação que eu tive, com votos de todas as correntes e vertentes políticas desta casa. Eu tenho que respeitar a todos”, declarou.

“Eu venho alertando o governo desta inanição, desta falta de ação, desta falta de pragmatismo na resolutividade dos problemas do dia a dia, na falta de consideração, na falta de atendimento, na falta de atenção”, continuou.

O presidente da Câmara dos Deputados procurou, ainda, isentar a casa legislativa de qualquer ônus por eventual derrota do governo nesta noite no plenário. “Agora, [se o governo perder,] não é por culpa do Congresso. Se hoje o resultado não for de aprovação ou votação da Medida Provisória, não deverá a Câmara ser responsável pela falta de organização política do governo”, afirmou.

Arthur Lira não garantiu que a medida provisória será votada hoje. Ele disse que irá conversar com os líderes partidários para avaliar o ambiente político para a matéria, mas avaliou que não seria “justo” com o relator, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), que o texto fosse levado a votação e derrubado.

“Não é justo, se não houver votos, que o relatório seja derrubado. Se não houver votos, penso que a matéria não será nem votada”, disse.

O que está em jogo?

A MPV 1.164/2023 sofreu profundas modificações durante sua tramitação em comissão mista do Congresso Nacional. Apesar de elas terem incomodado setores do governo, o Palácio do Planalto corre contra o tempo para concluir a tramitação legislativa do texto e evitar que a medida provisória perca validade (ou seja, “caduque”, no jargão político).

Para isso, é necessária aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, sem divergências de mérito nos textos, até quinta-feira (1º). A avaliação no governo é que vale mais entregar os anéis do que correr o risco de perder os dedos.

Caso o parlamento derrube a matéria ou não analise a tempo, a Esplanada dos Ministérios voltaria ao desenho vigente no governo de Jair Bolsonaro (PL). Na prática, a estrutura de 37 pastas formada por Lula em seu terceiro mandato passaria a contar com as 23 da gestão anterior. Derrota que nenhum dos antecessores de Lula desde a redemocratização sofreu.

Isso implicaria na extinção dos ministérios dos Povos Indígenas, do Desenvolvimento Agrário, das Mulheres e dos Direitos Humanos.

No campo econômico, os ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços − comandados respectivamente por Fernando Haddad (PT), Simone Tebet (MDB), Esther Dweck e Geraldo Alckmin (PSB) − voltariam a ser uma coisa só.

O relatório de Isnaldo Bulhões trouxe mudanças relevantes em relação à versão encaminhada pelo Poder Executivo ao parlamento, com derrotas sobretudo para as ministras Marina Silva (Rede), do Meio Ambiente e Mudança Climática, e Sonia Guajajara (PSOL), dos Povos Indígenas.

Pelo texto, o Ministério da Justiça e Segurança Pública voltará a responder pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas. A gestão Lula havia alocado essas atribuições no Ministério dos Povos Indígenas, criado em janeiro e ao qual caberá sugerir novas áreas destinadas a povos tradicionais.

 

A versão final do parecer determina ainda a redistribuição de algumas atribuições relacionadas à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada pela MPV ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Parte das responsabilidades passará ao Ministério da Agricultura e Pecuária, ao qual a Conab pertencia antes.

Serão atribuições do Ministério da Agricultura a garantia de preços mínimos, à exceção dos produtos da sociobiodiversidade, as ações sobre comercialização, abastecimento e armazenagem, bem como as informações dos sistemas agrícolas e pecuários − entre elas, os preços de mercado do boi gordo e das sacas de grãos.

Em razão dessa mudança, o texto aprovado acabou alterando responsabilidades da pasta do Desenvolvimento Agrário associadas ao desenvolvimento e à sustentabilidade da agricultura familiar. Caberá ao ministério, por exemplo, a garantia dos preços mínimos da produção das famílias no campo e o apoio ao cultivo de orgânicos.

Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, pelo texto aprovado, deixará de ter algumas atribuições. O Cadastro Ambiental Rural (CAR), que no governo Bolsonaro saiu do Meio Ambiente e passou para a Agricultura, agora estará vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

Os sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, hoje na pasta do Meio Ambiente, vão para o Ministério das Cidades — que, no saneamento, atuará inclusive em terras indígenas. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) será integrada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

O Ministério das Comunicações assumirá a política nacional de conectividade e de inclusão digital e a rede nacional de comunicações. Por sua vez, o Ministério do Desenvolvimento Social e Assistência Social, Família e Combate à Fome deverá responder por inciativas para redução no uso abusivo de álcool e outras drogas.

Outra alteração na MPV incluída pelo relator autoriza o Poder Executivo a tomar medidas para a extinção da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), já prevista na MPV 1.156/2023, cuja validade também expira na quinta-feira (1º). As medidas decorrentes do fim da Funasa caberão aos Ministérios das Cidades; da Gestão; e da Saúde.

O texto aprovado incorpora a MPV 1.161/2023, pela qual o presidente da República poderá definir, por decreto, a composição do conselho do Programa de Parceira de Investimentos (PPI). Hoje a definição deve ser feita por meio de lei. Segundo Isnaldo Bulhões Jr., a medida provisória não será votada e perderá a validade em 9 de junho.

Por outro lado, o relator deixou de fora a MP 1.158/2023, que transferiu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para a Fazenda. A MPV perderá a validade em 1º de junho, e então o Coaf, unidade de inteligência para prevenção e combate à lavagem de dinheiro e à corrupção, retornará ao BC.

(com agências)

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Fonte infomoney
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