Governo Bolsonaro tenta mudar Fundo Amazônia, mas Noruega e Alemanha dizem não

Representantes do governos dos dois países dizem, em carta, que participação da sociedade civil no conselho do Fundo é o que “injeta a confiança necessária” para “continuar a fazer esse tipo de investimento e parceria de longo prazo”; ministério do Meio Ambiente queria reduzir participação de ONGs

Após o ministério do Meio Ambiente tentar realizar uma mudança nos conselhos que monitoram e gerenciam o Fundo Amazônia, os governos da Alemanha e da Noruega, que investem no Fundo, escreveram carta se posicionando contra as mudanças propostas pelo governo Brasileiro.

No documento, os embaixadores Nils Gunneng (Noruega) e Georg Witschel (Alemanha) afirmam que a participação de ONGs e da sociedade civil nos processos de tomada de decisão do Fundo é o que “permite os doadores e investidores a continuar a fazer esse tipo de investimento e parceria de longo prazo”.

Entenda o que é o Fundo Amazônia

O Fundo Amazônia foi criado em 2008 pelos três países para receber doações a projetos de conservação e do uso sustentável de florestas, prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento em solo amazônico. A parceria resultou investimentos bem-sucedidos de R$ 1,1 bilhão em 103 empreendimentos. Ainda restam a serem investidos R$2,2 bilhões.

Os projetos são desenvolvidos numa área de 450 mil quilômetros quadrados, onze vezes maior que o território do Estado do Rio, com benefícios para uma comunidade de 49 mil pessoas, na maioria índios. Mais de três centenas de instituições estão envolvidas em empreendimentos que se espalham por 190 unidades de conservação florestal.

A iniciativa possibilita a transferência de recursos não reembolsáveis, em escala proporcional à redução que é obtida nas emissões de carbono no desmatamento — US$ 5 por tonelada de carbono reduzida. O dinheiro é aportado pela Noruega (90%) e Alemanha (10%), sob supervisão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e com auditoria internacional.

As tentativas de mudar a gestão do Fundo

No dia 11 de abril, o presidente Jair Bolsonaro publicou o decreto 9.759, também conhecido como o “revogaço dos conselhos”, que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal”. O texto não especifica quais conselhos do Fundo Amazônia seriam extintos, mas uma de suas consequências seria uma mudança na estrutura do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA). Assim, seguindo o que foi determinado pelo decreto, o COFA está em processo de recriação até o final de junho.

Após a assinatura do decreto, os órgãos de diferentes áreas tiveram até o final de maio para defender a existência de seus conselhos. Após pressão dos funcionários que trabalham no Fundo Amazônia, dentro do BNDES (que o gerencia), o Ministério do Meio Ambiente mandou, apenas na última semana de maio, um posicionamento para a Casa Civil defendendo a manutenção do COFA. Agora, o Ministério do Meio Ambiente tem até o final de junho para dizer como os conselhos devem ser recriados.

Também na última semana de maio, no dia 30, o ministro do Meio Ambiente enviou uma carta às embaixadas dos dois governos que financiam o Fundo Amazônia. O texto continha propostas de mudanças na gestão do Fundo, como alterações nos participantes do COFA.

O GLOBO pediu ao ministério do Meio Ambiente que revelasse os pedidos formalizados na carta. Contudo, a pasta se limitou a afirmar que “As tratativas estão em curso e serão oportunamente divulgadas”.

Leia trechos da resposta enviada pelos embaixadores ao ministro do Meio Ambiente

Na carta de resposta enviada pelos dois embaixadores, endereçada ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e ao ministro da Casa Civil, Santos Cruz, os representantes dos governos da Alemanha e da Noruega afirmam que “governos sozinhos não conseguem alcançar a redução do desmatamento”:

“É um esforço conjunto de autoridades públicas, empresas privadas, ONGs, comunidades locais e outros. O Fundo Amazônia foi criado para apoiar esses amplos esforços para reduzir o desmatamento, seja em nível federal, estadual ou municipal, em comunidades locais das floresta ou nas cadeias produtivas.”

Os embaixadores também defendem o formato atual de governança do Fundo Amazônia:

“O modelo de governança do Fundo Amazônia reflete os esforços concentrados necessários para reduzir o desmatamento e desenvolver a Amazônia de forma sustenável. O Comitê da direção do fundo (COFA) tem ampla participação do governo federal, de governos estaduais e da sociedade civil. As decisões são tomadas a partir do consenso entre os três grupos.A governança do Fundo segue as melhores práticas globais para governos abertos e com participação democrática.

Um dos principais pontos de argumentação foi a defesa do COFA:

“Ter uma representação diversa e balanceada das autoridades e da sociedade civil no COFA também contribui para aumentar a transparência da informação e confiabilidade das decisões tomadas. (…) A estrutura de governança do COFA serviu bem ao Fundo Amazônia por mais de dez anos. Durante o mesmo período, os governos da Alemanha e Noruega doaram mais de R$3.3 bilhões para o Fundo. A establidade e transparência dos marcos regulatórios e os processos de tomada de decisão injetam a confiança necessária que permite os doadores e investidores a continuar a fazer esse tipo de investimento e parceria de longo prazo. É dentro destes parâmetros que os governos da Alemanha e da Noruega vão avaliar as propostas de mudança na governança do Fundo Amazônia.”

Os dois representantes dos dois países encerram o texto afirmando que não acordo sobre futuras mudanças na gestão do Fundo:

“Na ausência de qualquer mudança acordada na governança do Fundo Amazônia, nós esperamos que o BNDES continue a gerenciar o Fundo e seus projetos aprovados, de acordo com os acordos e as diretrizes existentes. Também acreditamos que uma futura melhoria na eficiência, no impacto e na transparência do Fundo pode ser estabelecida dentro da estrutura atual de governança.”

Emabaixadas em silêncio

A carta foi enviada pelos dois embaixadores no dia 5 de junho de 2019. Desde então, O GLOBO pediu informações às duas emabaixadas.

A embaixada da Alemanha afirmou, por email, que “houve um bom encontro com o ministro Salles ontem (05 de junho). O assunto está sendo discutido.”

Já a embaixada da Noruega afirmou que “no momento, a embaixada não se encontra disponível para falar sobre esse assunto”.

Funcionários do Fundo Amazônia se manifestam

A Sssociação de Funcionários do BNDES, que representa os servidores qeu trabalhar no Fundo dentro do banco, emitiu nota esta terça-feira declarando que o posicionamento de Noruega e Alemanha é muito importante para a manutenção do Fundo. Os servidores ainda fizeram duras críticas ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles:

“Para a AFBNDES, as intenções de Ricardo Salles estão claras: a utilização dos recursos do Fundo para pagar indenizações relacionadas à desapropriação de terras por razões de preservação ambiental. Segundo ambientalistas, na Amazônia, isso implicaria potencialmente no beneficiamento de grileiros, que invadem áreas de preservação para receber indenizações. Entre os planos do ministro estava desacreditar o corpo técnico do BNDES e obter o controle do Fundo, pois sabe-se que a atual estrutura do COFA, defendida na carta pelos países doadores, jamais concordaria com suas propostas.”

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Fonte oglobo
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