Ataques de Musk esquentam debate: o que diz o projeto sobre regulação das redes?

Os ataques proferidos pelo bilionário Elon Musk, dono do X, da SpaceX e da Tesla (TSLA34), ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), provocaram intensa movimentação de peças no xadrez político brasileiro nos últimos dias e reaqueceram as discussões sobre a regulamentação das redes sociais no País.

Uns de forma direta e outros sem citar nominalmente Musk, diversos integrantes dos Três Poderes − do presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, ao próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) − fizeram alguma referência aos episódios recentes (veja detalhes ao final da reportagem).

Em muitos casos, projetos de lei que tratam das atividades de companhias que controlam redes sociais, como o próprio X (antigo Twitter) a Meta (dona do Facebook, do Instagram e do Whatsapp) ou o Telegram, foram lembrados.

O debate não é novo no Congresso Nacional. Há uma série de projetos de lei que abordam de alguma forma da regulamentação das redes sociais. O mais famoso deles é o PL 2630/2020, que ficou conhecido como PL das Fake News, mas não encontra terreno fértil para avançar na Câmara dos Deputados.

Assinado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o texto foi inicialmente pensado para conter a disseminação de informações comprovadamente falsas, mas evoluiu para uma proposta mais ampla de regulação de plataformas digitais.

A matéria foi aprovada pelo Senado Federal em 2020, mas deliberada pela Câmara Dos Deputados − apesar de ter passado por várias mudanças sob a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) −, em meio à intensa pressão exercida pelas “big techs”. Se depender do humor dos líderes partidários, o texto não voltará à pauta e o assunto deverá ser discutido do zero por um novo grupo de trabalho.

O texto aprovado pelos senadores estabelece a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, com regras aplicáveis a provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada que ofereçam serviços ao público brasileiro e contem com mais de 2 milhões de usuários registrados.

Eis os principais pontos previstos naquela versão do projeto:

  • Plataformas são obrigadas a vedar o funcionamento de contas inautênticas (“contas criadas ou usadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público”) e contas automatizadas (os robôs) não identificadas como tal, além de identificar todos os conteúdos impulsionados e publicitários cuja distribuição tenha sido realizada mediante pagamento ao provedor;
  • Provedores de redes sociais e serviços de mensageria privada devem desenvolver procedimentos contínuos de melhoria de capacidade técnica, inclusive na identificação de fraudes em cadastros e uso de contas em desacordo com a norma, e adotar medidas que viabilizem a identificação de contas que apresentem movimentação “incompatível com a capacidade humana”;
  • Plataformas devem limitar o número de contas controladas pelo mesmo usuário. No caso de serviços vinculados exclusivamente a números de celulares, ficam obrigadas a suspender contas de usuários que tiveram contratos rescindidos pelas operadoras de telefonia ou pelos próprios usuários do serviço;
  • Provedores de mensagem devem estabelecer políticas de uso destinadas a limitar o número de encaminhamentos de uma mesma mensagem a usuários ou grupos, assim como um número máximo de membros por grupo, instituir mecanismo para aferir consentimento do usuário para inclusão em grupos de mensagens e listas de transmissão;
  • Aplicativos de mensagem também devem guardar os registros dos envios de mensagens veiculadas em encaminhamentos em massa (por mais de 5 usuários, em intervalo de até 15 dias, para agrupamentos de múltiplos destinatários, a mais de 1.000 usuários), pelo prazo de 3 meses, com identificação dos usuários que realizarem os envios, com data e horário e o número total de impactados;
  • Em casos de denúncia, usuários devem ser notificados sobre a fundamentação, o processo de análise, a aplicação da medida e os prazos e procedimentos para contestação. Os provedores podem dispensar o procedimento se for verificado risco de dano imediato e de difícil reparação, para a segurança da informação ou o usuário, de violação a direitos de crianças e adolescentes e de grave comprometimento da usabilidade, integridade ou estabilidade da aplicação;
  • Provedores devem produzir relatórios trimestrais de transparência, disponibilizados em seus sites para informar os procedimentos e decisões de tratamento de conteúdos gerados por terceiros no Brasil;
  • Plataformas de redes sociais devem identificar todos os conteúdos impulsionados e publicitários para que seja possível verificar a conta responsável pelo impulsionamento ou anunciante e permitir ao usuário acessar informações de contato. Devem ser disponibilizados mecanismos com informações do histórico de conteúdos impulsionados e publicitários com os quais a conta teve contato nos últimos meses;
  • Perfis vinculados a órgãos públicos e a políticos devem ser submetidos aos princípios da administração pública. No caso de políticos, deve ser indicada uma conta de caráter oficial, que será proibida de restrição de acesso;
  • O Congresso Nacional deverá instituir, em até 60 dias, conselho para realizar estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet. O órgão será responsável, dentre outras atribuições, por elaborar código de conduta para as redes sociais e serviços de mensageria privada, publicar indicadores e monitorar o cumprimento das medidas pelo setor, avaliar procedimentos de moderação adotados pelos provedores de redes sociais, bem como sugerir diretrizes;
  • Além de possíveis sanções civis, criminais e administrativas, as plataformas também ficam sujeitas a advertência, com indicação de prazo para a adoção de medidas corretivas; ou multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no último exercício. Será considerada a condição econômica do infrator, as consequências da ação irregular e a reincidência (repetição de conduta em 6 meses);
  • Provedor deverá manter os registros de acesso a aplicações de internet, inclusive aqueles que individualizem o usuário de um IP de maneira inequívoca, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 meses.

Durante a tramitação da matéria na Câmara dos Deputados, o impasse entre os parlamentares levou a diversas negociações envolvendo partes do texto. O relator Orlando Silva chegou a retirar de seu parecer a criação da autarquia especial destinada à fiscalização do cumprimento das novas regras − um dos pontos mais controversos.

Orlando Silva também chegou a patrocinar a discussão sobre a criação de mecanismo para garantir a remuneração de veículos jornalísticos pelo conteúdo divulgado nas redes sociais, assim como conteúdos protegidos por direitos autorais (demanda conhecida da classe artística), mas teve de recuar.

Outro ponto que alimentou divergências foi a possibilidade de os provedores serem responsabilizados civilmente pela reparação dos danos causados por conteúdos gerados por terceiros, cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade de plataforma; e por danos decorrentes de conteúdos de terceiros quando houver descumprimento das obrigações de dever de cuidado.

Foram levados, ainda, ao debate a previsão de que as plataformas avaliem diligentemente riscos sistêmicos envolvendo a difusão de conteúdos ilícitos, de conteúdo que ofereça riscos à garantia do direito a direitos individuais básicos e ao Estado democrático de direito, assim como à higidez do processo eleitoral. Também havia previsão de medidas específicas de proteção dos direitos de crianças e adolescentes − incluindo desenvolvimento e promoção de ferramentas de controle parental ou de notificação de abusos ou busca de apoio.

Os deputados também discutiram a ampliação da imunidade parlamentar para o ambiente digital − o que isentaria um deputado ou senador de condenação por possíveis comentários nas redes sociais. Mas nem isso foi capaz de tornar o texto mais palatável a alguns congressistas e viabilizar sua aprovação em plenário.

Após os ataques de Musk a Moraes nos últimos dias, o assunto voltou a ganhar tração no mundo político. O tema chegou a ser abordado em reunião de líderes partidários da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (9), mas, segundo o presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL), mais uma vez não houve o consenso necessário para avançar nas tratativas.

Os líderes partidários decidiram, então, constituir um grupo de trabalho para melhor discutir o assunto e incluir no debate outro texto sobre inteligência artificial (saiba mais ao final da reportagem) − que tramita no Senado Federal, sob a relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO). O debate “do zero” deverá adiar por ainda mais tempo um possível desfecho para a questão.

Resposta institucional

No Poder Judiciário, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, divulgou ontem (8) nota em apoio a Alexandre de Moraes, relator dos polêmicos inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.

No texto, Barroso não citou o nome de Musk, mas escreveu que todas as empresas que atuam no Brasil estão sujeitas às leis do país. E destacou que “decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado”.

Na mesma data, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), disse considerar as falas de Musk contra Moraes um “ataque inadmissível” ao STF e à soberania brasileira e defendeu uma resposta coordenada envolvendo os Três Poderes e a sociedade brasileira.

“Nossa soberania está sendo atacada, nós vamos responder com mais soberania”, disse Padilha após participar de reunião com o presidente do Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), líderes do governo nas casas legislativas e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por sua vez, não citou Musk, mas disse que tem “bilionário fazendo foguete” para buscar locais habitáveis fora do planeta Terra, mas que ele deveria “aprender a viver aqui” e “usar muito do dinheiro dele para ajudar a preservar [o meio ambiente] e melhorar a vida das pessoas.

Já Rodrigo Pacheco disse que a regulamentação das redes sociais no país é “inevitável”. “O que podemos contribuir para efetivação da solução desse debate que se travou nos últimos dias é entregar marcos legislativos que sejam inteligentes e eficientes para poder disciplinar o uso dessas redes sociais no país”, disse. O parlamentar também lembrou do chamado projeto de lei das fake news (PL 2630/2020), aprovado pelo Senado Federal há 4 anos, que ainda não teve tramitação concluída no Legislativo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), por sua vez, pontuou que não houve construção de consenso entre os líderes partidários para que o assunto avançasse na forma do projeto, que chegou a entrar na pauta do plenário algumas vezes, mas não recebeu o apoio necessário para ser aprovado.

Para o parlamentar, o texto foi “polemizado” e a narrativa do lobby das “big techs” colou nele a imagem de “censura” e ataque à liberdade de expressão − o que prejudicou a tramitação da matéria.

“Quando um texto ganha uma narrativa como essa, ele simplesmente não tem apoio. E não há uma questão de governo e oposição, é uma questão individual, de posição individual de cada parlamentar, que se expressa de acordo com sua vontade. Os líderes não conseguiram colocar isso em votação e não conseguiram colocar isso na discussão de hoje”, disse Lira, em conversa com jornalistas, nesta terça-feira (9).

Segundo ele, foi celebrado um novo acordo entre os líderes partidários para que o PL das fake news fosse discutido com mais tempo por um grupo de trabalho, que também levaria em conta pontos abordados em outro projeto em tramitação no Senado Federal, sobre regulamentação do uso de inteligência artificial.

(com Agência Câmara e Agência Senado)

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Fonte infomoney
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