Argentinos apostam no mercado cripto para fugir da crise

O país foi palco na semana passada do ETHLatam, primeiro evento internacional de criptomoedas da Argentina

Na semana passada, enquanto o governo argentino anunciava que a inflação de julho havia atingido 7,4%, a maior taxa mensal em 20 anos, milhares de cidadãos do país estavam entrando no Centro de Convenções de Buenos Aires para o início da ETHLatam, uma conferência sobre a criptomoeda Ethereum (ETH).

A diretora executiva da Ethereum Foundation, Aya Miyaguchi, disse durante a palestra de abertura na quinta-feira (11) que a cidade tem uma das comunidades cripto mais fortes do mundo.

“Os hackathons e as reuniões sobre criptomoedas neste lugar foram a origem das equipes e indivíduos que construíram essa bela comunidade”, disse Miyaguchi. O evento de Buenos Aires foi o primeiro de nove conferências que ocorrerão na América Latina. A última será realizada no Panamá em 28 de outubro.

A ETHLatam marcou o primeiro evento internacional de criptoativos da Argentina desde que o setor começou a ganhar corpo no país em 2019. A nação vizinha do Brasil recebeu milhões de novos usuários do segmento cripto desde então, tornando-se um dos 10 principais países do mundo para adoção de ativos digitais.

O prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodriguez Larreta, candidato à presidência próximo ano, esteve presente no evento. Em abril, ele anunciou que moradores da cidade podem pagar impostos usando criptomoedas.

Além disso, Diego Fernández, secretário de inovação e transformação digital da cidade, anunciou na quinta-feira que Buenos Aires planeja implantar nós de validação (computadores conectados à rede) de Ethereum em 2023. Ele acrescentou que o esforço “tem fins exploratórios e regulatórios” e ajudará a cidade de três milhões de pessoas a “desenvolver uma regulamentação adaptável” para as criptomoedas.

Se for bem-sucedida, Buenos Aires se tornará uma das primeiras cidades do mundo a implantar nós de Ethereum. E também planeja estar entre os primeiros locais a lançar uma plataforma de identidade digital baseada em blockchain, a TangoID, que daria aos residentes controle sobre seus dados pessoais a partir de janeiro de 2023.

No sábado (12), o cofundador do Ethereum, Vitalik Buterin, participou do evento por uma videochamada. Ele falou sobre a atualização da blockchain da cripto, conhecida como Merge (A Fusão, em português), e sobre vários tópicos, incluindo a queda do ecossistema Terra e a prisão do desenvolvedor do mixer cripto Tornado Cash em Amsterdã.

A forte relação entre Buterin e a Argentina não é novidade. Em dezembro de 2021, ele visitou o país, conheceu diferentes personalidades e falou para uma casa cheia de 1.200 pessoas. Buterin até participou de uma visita guiada por Buenos Aires com Jerónimo Ferrer, um evangelista do Bitcoin que explica aos estrangeiros como a economia argentina e sua inflação descontrolada promovem o uso de criptomoedas.

Crise e cripto

Desde meados de 2019, a Argentina vive uma crise financeira que levou à alta inflação e a um processo de desvalorização que fez o peso argentino passar de 40 por dólar americano em agosto de 2019 para 350 em julho deste ano.

A Argentina está acostumada a experiências econômicas sistemáticas e traumáticas, como o chamado “corralito” em 2001, quando o governo confiscou os depósitos dos poupadores. O crescimento da popularidade do mercado cripto, portanto, é lógico, considerando como as gerações mais jovens viram seus pais sofrerem por causa da má gestão do governo.

Atualmente, as restrições cambiais da nação impedem que os locais comprem mais de US$ 200 por mês em bancos comerciais, embora os argentinos possam acessar moeda estrangeira em corretoras ou via stablecoins em exchanges de criptomoedas.

O setor cripto bateu o mercado de ações tradicional na capital. De acordo com a bolsa de valores da Argentina, os argentinos abriram 575 mil contas em corretoras no primeiro trimestre de 2022. Só a corretora cripto local Lemon tem mais de 1,3 milhão de usuários.

O aumento do uso de cartões de débito que exchanges locais como Lemon, Buenbit e Belo lançaram nos últimos anos pode explicar em parte o boom das criptomoedas no país. Eles tornaram as transações cripto fáceis de usar, e ainda incluíram cashbacks. A Binance, a maior exchange de criptomoedas do mundo em volume de negociação, lançou um cartão cripto pré-pago no país.

Os altos rendimentos com tokens e outros ativos, maiores que aqueles visto nos mercados desenvolvidos, levaram muitos usuários a evitar as taxas de juros em pesos argentinos e a gerar retornos em stablecoins atreladas ao dólar americano, como DAI ou USD Coin (USDC). As casas de câmbio não oferecem taxas de juros, o que as torna menos desejáveis devido à alta inflação dos EUA.

Os argentinos até aprenderam a usar cripto para se proteger contra anúncios do governo nas tardes de sexta-feira ou nos fins de semana, quando os mercados financeiros já estão fechados. No dia 2 de julho, dia em que o ministro da economia da Argentina, Martin Guzmán, renunciou por causa da crise econômica, os habitantes compraram três vezes mais stablecoins do que em um fim de semana típico. Eles estavam se protegendo contra uma potencial desvalorização do peso argentino no início da semana seguinte, quando os mercados de ações reabriram. Isso se tornou realidade.

Muitos jovens envolvidos no ecossistema argentino de criptoativos dissociaram suas rendas do governo local trabalhando no exterior e ganhando em dólares americanos, euros ou criptomoedas.

Empreendedores de primeira geração

A ETHLatam apresentou uma primeira geração de empreendedores argentinos do setor que se tornaram players globais em seus segmentos, como a Decentraland (MANA), que está construindo um metaverso na blockchain Ethereum, e a empresa de auditoria de finanças descentralizadas (DeFi) OpenZepellin. A startup de carteira de Bitcoin (BTC) Muun também aparece entre os casos pendentes.

As três firmas começaram na Casa Voltaire, um prédio no bairro de Palermo, em Buenos Aires. O local emblemático foi um ponto de encontro de diferentes desenvolvedores de criptomoedas entre 2014 e 2016.

Agora, uma segunda onda de empreendedorismo cripto está gerando projetos promissores. O empresário argentino Patricio Worthalter falou na ETHLatam sobre o POAP, uma ferramenta cripto que dá tokens não fungíveis (NFTs) exclusivos para as pessoas comemorarem e provarem que participaram de um evento (virtual ou físico).

O protocolo Exactly, nascido na Argentina, também passou pela ETHLatam. Em resumo, ele é uma plataforma com código aberto descentralizado, sem custódia, que fornece um mercado autônomo de taxas de juros para credores e mutuários. Gabriel Gruber, cofundador e CEO da Exactly, disse ao CoinDesk que o projeto, que estabelece taxas de juros com base na oferta e demanda de crédito, permitirá que os usuários troquem sem atrito o valor temporal de seus ativos a taxas de juros variáveis e fixas pela primeira vez em DeFi.

Outro empresário argentino da Web 3.0, Juani Gallo, compartilhou detalhes do FundIt, um projeto de crowdfunding cripto criado em parceria com o empresário argentino Damian Catanzaro.

A iniciativa anterior de Cantanzaro, Cafecito, uma plataforma de gorjetas, atingiu um milhão de usuários. A plataforma se integra à Lightning Network , o produto de pagamento de camada 2 construído sobre a blockchain do Bitcoin, para acelerar as transações.

De acordo com Manuel Beaudroit, CEO da exchange local Belo, a América Latina está entre as poucas regiões que usam a tecnologia para resolver problemas diários específicos, em comparação com a Ásia ou os EUA, que usam a tecnologia para melhorar os sistemas de negociação e especulação.

“Na Argentina e na América Latina, precisamos resolver questões de inflação, remessas, proteção de valor e economia em geral”, disse Beaudroit ao CoinDesk. “É nisso que grande parte do ecossistema está trabalhando.”

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