Veneno de “abelhas assassinas” estão com os dias contados graças a brasileiros; entenda

Pesquisadores brasileiros são os responsáveis pelo primeiro soro do mundo contra o veneno da picada das abelhas africanizadas (Apis mellifera), as chamadas “abelhas assassinas”.

Segundo o g1, o estudo foi desenvolvido pela Unesp de Botucatu (SP), Instituto Butantan e o Instituto Vital Brazil e deve entrar na fase três de ensaios clínicos. O Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) já deferiu o pedido de patente do soro em 2 de janeiro deste ano. A substância foi nomeada de antiapílico.

Em entrevista ao g1, Rui Seabra Ferreira Júnior, coordenador executivo do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da Unesp de Botucatu (SP) e um dos autores da patente, afirmou que o medicamento tem como público-alvo pessoas que, costumeiramente, levam várias picadas de abelha, recebendo, assim, muito veneno no sangue.

Nos casos mais leves, é possível tratar sintomas, como alergia e dor, por meio de medicamentos. A gente preferiu focar os estudos nas substâncias tóxicas responsáveis por matar pacientes.

Rui Seabra Ferreira Júnior, coordenador executivo do Cevap da Unesp de Botucatu (SP) e um dos autores da patente, em entrevista ao g1

  • Mesmo existindo vários tratamentos contra as várias picadas de abelhas, o soro, coletado de seu veneno, segue sendo o único que consegue eliminar a parte tóxica do veneno do corpo humano;
  • O professor afirmou que foi preciso um período de quase 15 anos para criar o soro, entre pesquisa, elaboração, testes e patente;
  • Ferreira apontou que o pioneirismo do projeto acentua as condições do Brasil em produzir ciência translacional.

As dificuldades foram muitas, visto que ninguém havia produzido soro para picadas de abelhas até hoje no mundo e testado em pacientes. É um medicamento novo. Nosso grupo sempre foi focado na ciência translacional, que é aquela que tira o conhecimento das bancadas dos laboratórios e leva para a sociedade, resolvendo problemas do mundo real.

Rui Seabra Ferreira Júnior, coordenador executivo do Cevap da Unesp de Botucatu (SP) e um dos autores da patente, em entrevista ao g1

Após a extração do veneno, ele é inoculado em cavalos, que produzem os anticorpos. Esse método é o mesmo utilizado para a produção dos soros que combatem picadas de cobras, escorpiões e aranhas.

Após a produção dos anticorpos pelos cavalos, os pesquisadores coletam o sangue do animal para, a partir disso, criar o antídoto. Mas, para chegar a essa etapa, os cientistas tinham dois desafios a ultrapassar. O primeiro trata-se de como coletar o veneno da abelha sem matá-la.

Uma das formas utilizadas para conseguir isso é a partir da remoção manual do ferrão do inseto, de modo a obter acesso ao repositório da toxina. Só que esse método é trabalhoso em demasia, pois, para apenas um grama de veneno, são necessárias 20 mil abelhas (!).

Além disso, como dito, arrancar o ferrão manualmente pode matar a abelha, pois ele sai com o intestino dela. Sendo assim, os pesquisadores brasileiros desenvolveram aparelhos especiais que disparam espécie de choque no animal.

A descarga, contudo, é fraca e não mata o animal, mas é intensa o bastante para que a abelha entendesse se tratar de uma ameaça e liberasse certa quantidade do veneno.

De modo a garantir que o soro mantivesse seu potencial e para medir sua efetividade, os cientistas coletaram o veneno em vários horários e épocas do ano.

Confira, abaixo, um pequeno diagrama que ilustra as etapas do processo de extração do veneno:

 

Etapas de recolhimento do veneno (Imagem: Reprodução/ACI/Jornal da Unesp)

Na outra etapa, o problema era relacionado aos cavalos, que, quando recebiam o veneno para inoculação, passavam a ter reações adversas, como dor intensa, reações alérgicas e choques anafiláticos, o que, além de gerar sofrimento aos animais, impedia a produção dos anticorpos.

Para contornar a situação, os cientistas precisaram apelar para o laboratório:

Além de coletarmos o veneno das abelhas de modo que estas não morressem, também retiramos por processos biotecnológicos as frações que causavam dor aos cavalos. Portanto, eles não sofrem quando recebem o veneno para produzirem os anticorpos. Na prática, nós ‘vacinamos’ os cavalos e, depois, purificados de seu sangue esses anticorpos específicos contra o veneno.

Rui Seabra Ferreira Júnior, coordenador executivo do Cevap da Unesp de Botucatu (SP) e um dos autores da patente, em entrevista ao g1

Nas fases um e dois do estudo clínico, houve 20 voluntários adultos e com idade média de 44 anos. Eles receberam de sete a duas mil picadas, não apresentando nenhum efeito adverso grave.

Após a aplicação do soro, os voluntários demonstraram melhora. Apesar de a patente só ter saído este ano, a pesquisa foi publicada em 2021 na Frontiers in Immunology.

Apoio financeiro para a terceira fase

No momento, para custear a fase três da pesquisa, que deve custar cerca de R$ 20 milhões, os pesquisadores pleiteiam junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e ao Ministério da Saúde (MS) os recursos financeiros necessários.

Essa etapa reunirá de 150 a 200 participantes. A seguir, os cientistas poderão pedir o registro do medicamento na Anvisa e autorização para produção pelo Instituto Vital Brazil.

A intenção é levar o soro para o SUS, assim como já ocorre com os soros hiperimunes. Também esperam que o Brasil aproveite seu potencial de comercialização.

Estamos aguardando apoio do MCTI e do MS para iniciar a fase três. Seria muito importante que estas autoridades em saúde compreendessem que são cerca de 30 mil pessoas por ano atacadas por abelhas e 150 morrem. E, uma vez produzido, poderemos exportar para o mundo todo, ou seja, irá ainda gerar renda ao País.

Rui Seabra Ferreira Júnior, coordenador executivo do Cevap da Unesp de Botucatu (SP) e um dos autores da patente, em entrevista ao g1

Abelhas

As abelhas africanizadas foram introduzidas nas Américas na década de 1950, sendo resultado do cruzamento da abelha-africana (Apis mellifera scutellata) com a espécie europeia (A. mellifera ligustica), objetivando a criação de abelhas adaptadas ao clima tropical para produzir mel.

Seu comportamento defensivo, que costuma ser bem agressivo, é sua principal característica. Ela também forma enxames com facilidade, além de produzir com alta produtividade e ser bem tolerante a doenças.

No fim, elas foram ganhando terreno e substituindo as abelhas nativas, migrando pelo continente e chegando aos EUA em 2000. No Brasil, as regiões com maior incidência de acidentes envolvendo essas abelhas são sul e nordeste, com as maiores taxas de letalidade estando presentes no centro-oeste e norte, zonas com mais dificuldade de implementação de acesso médico.

O Ministério da Saúde relata que cerca de 100 mil acidentes deste tipo foram registrados nos últimos cinco anos, com a maioria deles acontecendo entre outubro e março, na zona urbana, com homens entre 20 e 64 anos. Já os óbitos são mais frequentes em pessoas acima de 40 anos.

Todavia, os pesquisadores lembram que as abelhas são vitais à natureza por seu grande poder de polinizadoras. Sem elas, as frutas e alimentos existentes e que consumimos em nosso dia-a-dia simplesmente não existiriam.

Logo, precisamos saber conviver em harmonia e segurança com elas, pois é algo de mega importância para os seres humanos.

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Fonte olhardigital
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