Para entender Trump e Bolsonaro

Por que ambos insistem em falar apenas para a própria base eleitoral?

O comportamento de Jair Bolsonaro e Donald Trump costuma levantar uma crítica recorrente: ambos falam para a própria base eleitoral, apenas aos eleitores fieis, o mundinho regido pela mesma ideologia que os move. Com isso, correm o risco de perder apoio entre os “moderados”, aqueles de quem dependerão para ser reeleitos.

A crítica ressurgiu recentemente, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Aqui, por causa do discurso de Bolsonaro semana passada na Assembleia Geral das Nações Unidas. Lá, em virtude da reação de Trump às acusações que levaram à abertura do processo de impeachment na Câmara dos Representantes.

Tal estratégia não lhes rende amigos, contribui para que se tornem objeto de ataques duros e percam eleitores que preferiram ambos aos adversários. Por que, se arriscam perder apoio, agem assim?

Por que Bolsonaro, na tribuna da ONU, insiste em atacar os mesmos fantasmas que alimentam sua paranoia: o socialismo, o globalismo, o Foro de São Paulo, Cuba, Venezuela, PT e até o cacique Raoni? Por que Trump, na primeira entrevista coletiva depois do início do processo de impeachment, repete a mesma lenga-lenga: o muro na fronteira mexicana, o endurecimento contra a imigração, o êxito econômico do protecionismo, a perfídia dos democratas, a “caça às bruxas” contra ele e, naturalmente, as “fake news” da imprensa?

Nenhum dos dois foi agressivo como noutras ocasiões. Mesmo assim, não deixaram de lado os cacoetes que os projetaram eleitoralmente, nem fizeram nenhum tipo de gesto que sugerisse um abrandamento ou moderação em suas posições. Por quê?

Há duas razões, nenhuma delas agradável para quem se acostumou a ver Trump e Bolsonaro como riscos à democracia, ao meio ambiente, aos ideais iluministas, aos direitos das minorias e tudo o mais.

A primeira razão é óbvia, embora frequentemente esquecida pelos críticos de ambos: eles estão no poder. Foram eleitos com uma plataforma não convencional (alguns diriam “disruptiva”), que desagrada acadêmicos, jornalistas, ambientalistas ou juristas. Mas é uma plataforma real, com propostas concretas de mudança.

Tomemos o caso de Bolsonaro (raciocínio paralelo semelhante pode ser feito para Trump). Ele acredita mesmo que a violência policial ajuda no combate ao crime, que o ambientalismo é um plano de dominação estrangeira, que o tal “globalismo” é um mal maior que o aquecimento global ou que a famigerada “ideologia de gênero” e o “materialismo socialista” são os principais problemas do ensino nas nossas escolas.

Se hoje tais ideias são estranhas à maioria dos brasileiros de bom senso, isso não significa que sejam desprezíveis. O objetivo de quem está no poder não é esquecê-las ou sufocá-las, em nome de um governo pragmático. Ao contrário, deve ser disseminá-las pelo maior público possível, para que consiga manter o poder. Que palanque é melhor que a Assembleia Geral da ONU? Por que parecer conciliador, quando o objetivo é conquistar mais adeptos?

Quem está no poder não tem motivo para fazer concessões em sua agenda, a não ser a fraqueza. Foi esse o caso de Dilma Rousseff, eleita condenando o ajuste fiscal, depois obrigada a pô-lo em prática antes mesmo de tomar posse. Por que Bolsonaro deveria se portar assim?

Verdade que a popularidade dele sofreu queda ao longo do ano, mas demonstra uma resiliência surpreendente, a levar em conta suas gafes e absurdos. Reuni no gráfico abaixo todas as pesquisas de opinião sobre o governo Bolsonaro publicadas desde janeiro:

A linha azul, que representa a evolução na média das avaliações “ótimo” e “bom”, sofreu uma queda da ordem de dez pontos percentuais, mas se mantém, desde a décima semana de governo, estável na marca dos 30 pontos. A linha vermelha, que acompanha o “ruim” e “pésimo”, subiu para em torno de 38 pontos. Só que não à custa dos que aprovavam Bolsonaro, mas sobretudo dos que viam o governo como “regular” ou que não sabiam opinar.

Esse quadro permite enxergar a segunda razão para o comportamento de Bolsonaro e Trump: há lógica eleitoral em manter vivo e forte o laço com os partidários mais ideológicos e mais fieis. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o eleito não precisa necessariamente da maioria dos eleitores a esta altura da disputa. Lá, em virtude do Colégio Eleitoral. Aqui, por causa do segundo turno.

Se obtiver entre 25% e 30% dos votos no primeiro turno – patamar que corresponde aproximadamente ao seu nível atual de aprovação –, Bolsonaro praticamente garante a passagem ao segundo. Caso o adversário seja novamente um candidato do PT, repete-se a estratégia da polarização entre “nós” e “eles” que o levou à vitória.

Não custa lembrar que o PT chegou em primeiro ou segundo lugar em todas as eleições desde a redemocratização. Mesmo que o adversário não seja petista, será automaticamente tachado de “esquerdista”, “comunista”, “globalista” ou o que o valha. Será caricaturado como encarnação do mal, inimigo a bater.

Nos Estados Unidos, a estratégia de Trump não é muito diferente. A popularidade dele também mantém uma resiliência supreendente perante o noticiário negativo, como demonstram as médias mantidas pelo RealClearPolitics ou pelo FiveThirtyEight (importante: a medida de popularidade americana é diferente da usada no Brasil, portanto ambas não são comparáveis).

A eleição americana é decidida, na verdade, em cinco ou seis estados. Quem quer que seja o candidato ou candidata democrata, vencerá na Califórnia, em Nova York, nos estados da Nova Inglaterra e da Costa Oeste. Trump vencerá na Virgínia Ocidental, Montana ou Alabama.

Mesmo que Texas ou Arizona possam ter se tornado mais vulneráveis aos avanços democratas, a dúvida mesmo é se Trump manterá os três estados do Meio-Oeste que lhe deram a vitória em 2016: Michigan, Pensilvânia e Wisconsin. A eleição americana não é propriamente uma eleição para a Presidência dos Estados Unidos. Pode ser, no limite, entendida como uma eleição para a Presidência no Wisconsin.

Para Trump, portanto, pouco importa, com declarações desastradas ou a insistência em erguer o muro na fronteira mexicana, perder votos em estados onde ele já não tem chance. Importa manter a fatia demográfica que lhe garantiu a vitória (brancos sem diploma superior) e evitar que os com maior propensão a votar nos democratas compareçam às urnas (negros, latinos e minorias). Por que acenar a eles ou parecer conciliador?

Não, não há motivo algum para esperar que Bolsonaro ou Trump ajam de modo diferente. Eles são aquilo que são. Se venceram eleições em regimes democráticos, é porque uma fatia significativa dessas sociedades apoia a plataforma deles.

Se quiserem derrotá-los, os oposicionistas, lá e cá, não ganham nada ao criticá-los pelas gafes ou atacá-los pelos absurdos (fazer isso é apenas entrar no jogo da polarização que os favorece). Precisam é convencer o eleitorado de que têm plataforma melhor.

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Fonte globo
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