Paulo Henrique nos sorri

Paulo Henrique nos sorri sempre presente

No alto de toda página do Conversa Afiada
(à esquerda, claro)

Paulo Henrique Amorim, que em tantos vídeos da TV Afiada enuncia verdades e nos sorri como quem diz que necessita transmitir a verdade. Como quem avisa: é a verdade, e não pode ser pela metade. E que por isso precisa sorrir, pra suportar. Ele sorri, seu olhar vê além. Além da dor toda e da indignação pela injustiça, pelo horror diante da falsidade e maldade alheia. Criando sorrisos múltiplos, onde o senso comum não tem vez, melhor se suporta toda essa verdade ao redor absurda que dói nua e crua.

E, ao o vermos assim, em seu sorriso tão corajosamente singular, nos animamos a mais sorrir pra melhor suportar. É o sorriso que transborda em honestidade e revela que faz o que pode praquelas dores tão brasileiras não mais se perpetuarem. Sorri vívido na distância de quem sempre estranhou, – e estranha – todo esse horror tão perene aqui que até quer se fazer de coisa familiar. Ele fortalece nossa necessária e saudável capacidade de estranhar.

Hoje quero lembrar, no entanto, de um raro vídeo em que Paulo Henrique quase não sorri: Os meus irmãos miseráveis do Pátio do Colégio. Absolutamente pungente. Toda a dor do Brasil está ali. A caminho da música (a caminho de ouvir a música do amigo Roberto Menescal na Sala São Paulo), em fins de setembro de 2017, Paulo Henrique nos diz que ao observar tantos e tantos miseráveis abandonados no centro da cidade seu sentimento predominante não foi de compaixão ou solidariedade, mas de ódio de todos os que permitem que essa miserabilidade ocorra. Ele fala em ódio. Mas o que nos emana é sua fraternidade.

Ao longo do vídeo, Paulo Henrique lembra dois dos mais doídos horrores que já presenciara. Lá está ele, bem jovem, incrédulo ao testemunhar a violência a sangue frio na maior favela latino-americana, na Cidade do Sol, no Haiti; lá está ele em meio à guerra civil de Ruanda, nos anos noventa, num vasto campo de cólera. Usando máscara, claro. Como o anjo da história, seus olhos sustentam o testemunho diante da catástrofe.

Paulo Henrique denuncia o genocídio do povo preto, as mortes severinas, a multiplicação dos nossos irmãos miseráveis de São Paulo a todos os cantos deste Brasil. Hoje, quase três anos depois, ainda em maior número. E mais sós. Os que sobrevivem neste período de tamanho luto coletivo. Em meio a tantos outros bem diversos privilegiados que estamos espantados de ver que não tem ideia do que seja cuidar, e cuidar-se. Quanto a esses, o que dizer¿

Uma vez mais, guiados por Paulo Henrique (este vídeo, como tantos outros ali, se perpetua no presente), olhemos nossos irmãos miseráveis do Brasil. Na noite do último 29 de junho, numa fala memorável que ressoou por todo o país, Padre Júlio Lancelotti, – por quem PH nutria grande admiração -, e que há muito acolhe e dialoga com o povo de rua do centro de São Paulo, disse que está aprendendo a ler os olhos deles, já que agora (os que tem a sorte de estarem ao alcance de seus cuidados) estão de máscara. Vozes e ações como a sua, que reafirmam o compromisso por uma exigência ética na experiência de existir em comunidade, tem trazido luz à escuridão.

Para concluir seu vídeo sobre o cinismo e a insensibilidade, nosso estimado e destemido jornalista nos mostra uma foto abraçado ao amigo Menescal após seu show. Ali sim ele sorri um sorriso largo, de gratidão à partilha da arte impulsionadora. E depois ele fala ao amigo de toda a vida: “eu não desisti”. “Você também não”. Em menos de quatro minutos, Paulo viaja pelo Brasil, pelo mundo, saúda as amizades íntegras, não sem deixar de lembrar o tempo em que uma música nova cheia de bossa parecia anunciar um Brasil de “Dia de luz, festa de sol”.

Fito uma vez mais o sorriso de Paulo Henrique, ao alto à esquerda. Entre seus tantos sorrisos de inúmeros matizes, dos mais discretos aos mais afiados, este é realmente alentador. Paulo Henrique nos olha e nos sorri: apesar do espanto com a negação e o desprezo pela vida, correntes ao redor, é preciso (estranhando) sorrir. E sorrimos, mesmo estarrecidos, indignados porque sorrir nutre a coragem. E sorrindo-nos, nos fortalecemos. Mantemos brilho no olhar.

Há um ano, para celebrar Paulo Henrique, me veio o poema Por que da imensa Sophia de Mello Breyner Andresen. Desde então, vocês tem se dedicado a fazer jus a seu legado. Agradecendo a ele, a vocês, e à arte,- que nos clareia a travessia-, ao modo de me confraternizar com o empenho de vocês no Conversa Afiada, hoje me vem este outro poema da mesma Sophia:

Esta gente
Esta gente cujo rosto Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo.

Parabéns a todos vocês. Desejo que a cada dia sigam renovando seu canto.

Motivados pelos inúmeros sorrisos de Paulo Henrique.

Sorrindo nossos próprios sorrisos: que sejam mais transformadores.

Um abraço afetuoso a todos vocês,
com um beijo especial na minha querida amiga Geórgia Pinheiro.

Olga Fernández.
Atriz

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Fonte conversaafiada
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