ESPECIALISTAS: O potencial de disrupção do PIX parcelado

Produto pode afetar mercado de emissores de cartão e adquirentes

Lançado em novembro de 2020, a ferramenta de pagamentos instantâneos, PIX, conquistou o gosto dos brasileiros. Em poucos meses, tornou-se um dos métodos de pagamento mais utilizados no país, ultrapassando os volumes de TED/DOC em menos de 5 meses de operação.

O PIX está inserido no conceito de Open Finance, especialmente nas transferências P2P (pessoas para pessoas), mas ainda conta com baixa relevância nas transações P2M (pessoas e lojistas). O crescimento desta última depende da mudança de hábitos dos brasileiros e da melhoria da experiência de usuário (UX, na sigla em inglês), podendo ser disruptivo para o mercado, especialmente de cartões de crédito e débito.

No Brasil, o ciclo de pagamento é de 30 dias para transações regulares em cartão de crédito e em torno de 50% dos volumes ocorrem por meio do “parcelado sem juros”. Nesse sentido, vale destacar a nova ferramenta que vem sendo desenvolvida pelo BCB chamada “PIX Parcelado”, uma combinação entre uma oferta de crédito e pagamentos programados que permite que usuários parcelem suas compras via PIX.

O sucesso de adoção do PIX no ambiente P2P pode ser explicado pela melhor UX em comparação a TEDs/DOCs, sendo mais barato, instantâneo, e sem interrupção (com funcionamento 24 horas, todos os dias). Entretanto, a implementação do PIX Parcelado nos parece ser um pouco mais desafiadora, dada a complexidade do produto (crédito). Na nossa visão, uma nova infraestrutura de pagamento de crédito precisa ser construída para que o modelo efetivamente decole, algo que não parece simples.

Ao longo dos últimos meses, podemos destacar algumas movimentações por parte dos bancos incumbentes, que vêm tentando incorporar soluções de PIX parcelado dentro da sua oferta de produtos. Apesar do Banco Itaú ter sido o competidor selecionado para participar do “sandbox” regulatório do PIX parcelado, no início do mês de março, o Santander foi o primeiro competidor do mercado a anunciar uma campanha com o produto. O Bradesco também possui um produto de crédito incorporado ao PIX, porém o pagamento não é acionado no momento da compra, como é o caso do produto do banco espanhol.

Caso o regulador tenha êxito na implantação da alternativa, não vemos motivo para que o modelo não ganhe relevância ao longo dos anos, viabilizando um novo arranjo de pagamentos, permitindo o surgimento de produtos novos fora do ambiente de cartões de crédito e efetivamente alterando as dinâmicas financeiras dessa indústria.

Vale lembrar que com o uso do PIX parcelado, os lojistas são capazes de receber o dinheiro de uma compra sem a necessidade de pagamentos de taxas de antecipação, ou pagando taxas menores em caso de operações processadas por uma adquirente. Sendo assim, é importante entender a relevância dessa nova ferramenta para bancos e adquirentes como PagSeguro e Stone, que atualmente ainda ganham muito com a vertical de antecipação de recebíveis.

Como já mencionado, os efeitos do PIX nas transações de pagamento P2M ainda estão começando a ganhar alguma tração (18% da quantidade de transações em março de 2022, comparado a 11% em março de 2021). Mas, por enquanto, o impacto nos adquirentes tem se mostrado relativamente pequeno, já que o PIX é apenas um dos vários meios de pagamento, e as taxas cobradas são muito semelhantes às das transações de débito.

Ainda há incertezas em relação ao funcionamento do “PIX Parcelado”, mas há a possibilidade de que seja semelhante a um produto BNPL (Buy-Now-Pay-Later), com os consumidores ou lojistas já pagando juros sobre as parcelas diretamente para a instituição que financia a compra. Tal modelo poderia afetar o volume total de recebíveis a serem antecipados pelos adquirentes, e por consequência, suas receitas. Por outro lado, os recebíveis do PIX poderiam virar garantias para produtos de crédito fornecidos pelas adquirentes, do mesmo modo que os recebíveis de cartão de crédito já funcionam hoje.

No curto prazo, o PIX pode até ser uma oportunidade para adquirentes, dado que vem sendo cobrada uma taxa próxima do débito, enquanto o arranjo não possui taxa de intercâmbio. Porém, com “PIX parcelado” mudando muito os incentivos e tendo uma instituição financeira financiando o lojista diretamente, talvez, futuramente não haja mais espaço para o adquirente nesse relacionamento.

Ainda é muito cedo para avaliar o impacto final para emissores e adquirentes. Porém, de qualquer maneira, há espaço para esses participantes assumirem novos papéis na cadeia, seja como iniciadores de pagamento ou instituições financeiras parceiras que fornecem crédito, por exemplo.

É provável que os novos entrantes de mercado liderem a mudança no comportamento do consumidor através do “PIX parcelado”, permitindo que eles ganhem market share mais rapidamente. De fato, vemos grandes fintechs com enormes bases de clientes (ou seja, Nubank e Mercado Pago) como grandes impulsionadores de meios digitais emergentes de pagamentos e eles podem ajudar nessa mudança.

Por ora, o PIX parcelado ainda vem sendo lapidado e ao que tudo indica deve estar 100% operacional apenas em 2023. Seus impactos, no entanto, podem ser disruptivos para o sistema nacional de pagamentos, vide o sucesso da adesão de outras ferramentas e soluções oferecidas pelo PIX no Brasil. Apenas no mês de março, por exemplo, o PIX movimentou R$ 785 bilhões em um total de 1,6 bilhão de transações. Dentro do “bolo” de serviços ofertados, já podemos destacar a importância de algumas soluções como PIX Cobrança, PIX Troco e PIX Saque

E o que mais podemos esperar do PIX para esse ano? Apesar de não divulgado um calendário oficial de lançamento de novas funcionalidades, segundo o presidente do BC, Roberto Campos Neto, em 2022 devemos ver avanços em soluções de pagamentos instantâneos offline, com o PIX Offline, um grande diferencial sobre transações de TED/DOC que necessitam do uso de internet na sua utilização.

Além disso, o BC já anunciou interesse em lançar um produto de débito automático através do PIX, além de soluções de transferências instantâneas internacionais, expandindo a utilização da ferramenta para além das fronteiras do Brasil, e pagamentos por aproximação. O que podemos fazer é esperar pelos próximos capítulos dessa história para melhor entender os impactos do PIX no sistema de pagamentos nacional.

*Eduardo Rosman é especialista no setor financeiro do BTG Pactual

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