Balcão de operações no FNDE: entenda as acusações de corrupção contra Milton Ribeiro no MEC

O ex-ministro Milton Ribeiro foi preso nesta quarta-feira em meio a acusações de corrupção com pastores aliados no Ministério da Educação. Relembre o caso

O ex-ministro da Educação, pastor Milton Ribeirofoi preso nesta quarta-feira, 22, alvo de investigações por corrupção no Ministério da Educação (MEC). O centro das acusações são as denúncias de um esquema de tráfico de influência, por meio do qual Ribeiro teria aberto espaço para que pastores aliados atuassem junto a prefeituras na liberação de verbas públicas.

As acusações de corrupção no MEC já haviam sido o catalisador para a saída de Ribeiro do governo, em março. Na operação de hoje, batizada de “Acesso Pago”, a PF afirma que “foram identificados possíveis indícios de prática criminosa para a liberação das verbas públicas” na educação. 

A ordem de prisão expedida pela 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal contra Ribeiro cita a apuração de crimes de tráfico de influência, advocacia administrativa, prevaricação e corrupção passiva.

Além de procurar o ex-ministro Ribeiro em Santos (SP), a Polícia Federal foi à casa de outros pastores durante a operação nesta manhã e também ao prédio do MEC em Brasília. Uma audiência de conciliação com Ribeiro está prevista para a quinta-feira.

“Acesso Pago” a pastores e barras de ouro

No cargo de 2020 até março deste ano, Ribeiro é acusado de ter montado um “balcão de operações” no MEC com pastores aliados, sobretudo no que diz respeito aos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). 

Informações reveladas inicialmente pelo Estadão mostraram que pastores cobravam propinas de prefeitos para o repasse de verbas públicas.

O ministro Milton Ribeiro, por sua vez, é acusado de cooperar com o esquema ao liberar recursos preferencialmente a prefeitos que negociaram com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, líderes das operações segundo as acusações.

Um hotel em Brasília teria sido usado como quartel general para negociar as propinas com prefeitos.

O FNDE é uma autarquia, ligada ao MEC, e cujo objetivo é transferir recursos e prestar assistência a estados e municípios na educação. Pela Constituição, o governo federal não gerencia diretamente a maior parte das escolas de educação básica, que ficam a cargo de estados (sobretudo no ensino médio e anos finais do ensino fundamental) e municípios (educação infantil e anos iniciais do fundamental). Cabe à União, assim, somente repassar recursos e coordenar projetos com os entes, o que faz por meio de mecanismos como o FNDE.

A decisão sobre para onde vão os recursos deve se valer de critérios como os projetos aprovados e necessidade de cada município e escolas.

Mas os pastores que lideravam o balcão de operações – e que não eram servidores do MEC – chegaram a oferecer “desconto” em propina para liberar recursos, segundo áudios revelados pelo Estadão. “Vou lhe fazer por R$ 15 mil porque você foi indicado pelo pastor Gilmar, que é meu amigo. Pros outros aqui, o que eu estou cobrando aqui é R$ 30 mil”, disse o pastor Arilton em uma das gravações que se tornaram públicas.

Prefeitos precisariam retribuir as verbas públicas para a educação de seus municípios com propina que ia de barras de ouro a apoio em eventos religiosos. Em uma negociação, foi exigida até mesmo a compra de bíblias com o rosto do ministro Milton Ribeiro para um evento. 

A cobrança de propina e posterior repasse aos municípios selecionados – e não aos que correspondiam ao interesse público – acontecia com a anuência de Ribeiro, segundo as acusações, que o ex-ministro nega.

As disputas no FNDE

O FNDE existe desde 1968 e é historicamente um posto estratégico no governo por gerir recursos bilionários, além de ser essencial para o desenvolvimento de políticas públicas de educação no Brasil.

Parte dos repasses do FNDE é carimbado, como no caso do Fundeb, fundo de educação básica em que cada prefeitura recebe um valor por aluno (independentemente de alianças ou não com o governo da vez). Mas há uma margem ampla de flexibilidade em outras frentes, como obras, compra de ônibus escolares e programas diversos, que foram exploradas no balcão de operações dos pastores.

Não é a primeira vez que o FNDE domina o noticiário recente. Um dos marcos da autarquia no governo do presidente Jair Bolsonaro foi a rotatividade no alto escalão. No período de um ano entre 2019 e 2020, o FNDE teve três presidentes, cada qual por poucos meses no cargo, até que assumisse o atual mandatário, Marcelo Lopes da Ponte, que começou logo após a chegada de Milton Ribeiro.

Nos últimos anos, críticos do governo também questionaram com frequência a nomeação de grupos sem experiência em políticas públicas de educação em postos-chave no FNDE e no MEC, como grupos religiosos e ex-aliados do filósofo Olavo de Carvalho.

O atual presidente Marcelo Ponte foi indicação dos partidos do Centrão, sendo ex-chefe de gabinete do então senador Ciro Nogueira (PP-PI). Sua chegada ao cargo coincide com o declínio da influência da chamada “ala olavista” no governo Bolsonaro, com a saída de nomes como o ex-ministro Weintraub, e a ascensão da influência do Centrão no governo e de uma ala religiosa ligada ao pastor Ribeiro no MEC.

Em depoimento à Comissão de Educação no Congresso, o presidente do FNDE negou a existência de influência de pastores nas decisões. À Controladoria Geral da União, Ponte disse que recebeu “insinuações” de oferta de propina por parte do pastor Arilton Moura, um dos alvos da operação de hoje, mas que “nunca deixou prosperar”. Porém, admitiu que, em viagens, ouvia de parlamentares e prefeitos que o pastor prometia recursos a municípios.

A gestão de Milton Ribeiro no MEC

Milton Ribeiro foi o ministro da Educação mais longevo do governo Bolsonaro. Desde que o governo assumiu, em 2019, a pasta teve como ministros Ricardo Vélez Rodríguez, ligado a Olavo de Carvalho e que caiu no mesmo ano; e depois Abraham Weintraubque anunciou sua saída do Ministério em 2020 em meio a uma investigação da Polícia Federal.

O atual ministro da Educação é Victor Godoy Veiga, que foi secretário executivo da pasta durante a gestão Ribeiro.

Ribeiro terminou deixando o cargo em março diante da pressão após as primeiras informações sobre o escândalo no MEC. Ao falar da saída do ministro, o presidente Bolsonaro afirmou na ocasião que o pastor havia deixado o governo “temporariamente”. Antes da exoneração de Ribeiro, Bolsonaro chegou a dizer que colocava “a cara no fogo” pelo ex-ministro.

A operação de hoje acontece sobretudo porque Ribeiro perdeu o foro privilegiado ao deixar o governo. O inquérito havia sido inicialmente aberto pelo procurador-geral da República, Augusto Aras após ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), em meio à forte pressão após as primeiras acusações. Mas, depois de Ribeiro sair do governo, a ministra Cármen Lúcia remeteu o caso à primeira instância.

Mesmo antes dos escândalos envolvendo o MEC em sua gestão, Ribeiro vinha sendo amplamente criticado por especialistas, pesquisadores e a comunidade da educação pelo que foi considerado uma má gestão à frente da pasta. Durante a pandemia, o MEC foi questionado por não prover apoio e coordenar políticas para os alunos. Com a anuência de Ribeiro, o governo federal também vetou em 2021 um pacote aprovado no Congresso que ajudaria a oferecer internet aos estudantes mais pobres em escolas públicas.

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