O maior enigma da MPB: oito mistérios e curiosidades sobre Geraldo Vandré

“O Vandré é um enigma vivo”, garantiu o jornalista Vitor Nuzzi, autor da biografia não autorizada “Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida”, em entrevista ao UOL. Recluso e com uma aura de mistério que não faz questão de solucionar, o músico completa 83 anos nesta quarta-feira (12/9/2018).

Vaia a Tom Jobim

O paraibano surgiu para o público em 1966, quando Jair Rodrigues interpretou a sua canção, “Disparada”, no II Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, que acabou empatada em primeiro lugar com “A banda”, de Chico Buarque. Dois anos depois, foi a vez da música “Caminhando” (“Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”) ser apresentada em uma edição. Verdadeira febre entre a juventude universitária de esquerda daquela época, a canção ficou em segundo lugar, perdendo para “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico, que receberam uma sonora vaia e a rejeição do público. Walter Clark, ex-diretor da Globo, que morreu em 1997, escreveu em seu livro de memórias que um general havia dado ordens expressas para que a música não vencesse o festival. Na imagem, ele aparece ao lado de Roberto Carlos (centro) e Chico Buarque (à direita)

Censura

“Caminhando” (“Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”) foi composta, com apenas dois acordes, no dia da Passeata dos Cem Mil, um marco contra a ditadura. Contudo, Vandré se defendeu afirmando que a música não era contra a instituição militar, mas contra quem estava no poder naquele momento. Na ocasião, o endurecimento da AI-5 já começava a acontecer e o cantor viu a canção ser fortemente censurada pelo governo militar

Exílio

Ainda em 1968, Vandré fugiu do país, voltando bastante diferente em 1973. O ex-empresário, José Guedes, revelou em entrevista à revista Trip que após apresentação do Maracanãzinho, receberam o recado dos militares de que deveriam sumir. Ainda de acordo com o profissional, o músico passou mais um tempo em São Paulo, até partir para o Rio, onde se escondeu na casa do escritor Guimarães Rosa, de onde partiu para o Uruguai dentro de uma ambulância. Jair Rodrigues relatou à publicação que, ao voltar a reencontrar o amigo, já novamente no Brasil, foi recepcionado por uma estranha afirmação: “Eu cheguei todo animado e disse: ‘Vandré’. Aí ele me olhou e falou: ‘Eu sou o Geraldo Pedrosa, o Geraldo Vandré morreu em 1968′”

Retorno misterioso

Em 1973, Vandré deu uma entrevista à Globo, que noticiou no Jornal Nacional o fato de o músico ter acabado de voltar ao país, embora de acordo com o biógrafo Vitor Nuzzi tudo não tenha passado de encenação, pois notícias sobre o retorno do compositor já haviam pipocado na mídia um mês antes do episódio. “Ele ficou esse período prestando depoimento, ao mesmo tempo em que circularam recadinhos nas redações orientando para não falar do músico”, garantiu o jornalista ao UOL. Na suposta reportagem, um Vandré cabisbaixo, cercado por homens engravatados, defende a ditadura e garante que suas canções não eram denunciativas, que nunca fez parte de nenhum partido político, que nunca havia apanhado e que estava “arrependido” da reação que causou. “Ele foi convencido, essa parte é nebulosa mesmo e só ele sabe. Ele estava muito amargo quando voltou, em depressão mesmo. Acho que deve ter sido torturado no Chile”, disse Telé Cardim, jornalista e amiga de Vandré desde os anos 60, em entrevista à revista Trip. Desde então, ele passou a se retirar da vida pública

FAB

“Fabiana”, a última canção conhecida de Geraldo Vandré, é uma homenagem às Forças Aéreas Brasileiras (FAB). O que pode parecer estranho, na verdade, tem uma explicação. “Quando ele voltou do exílio ficou um bom tempo morando no quartel, parece que ele tinha carro e um quarto lá e dormia e saía quando queria. Foi por isso que ele compôs ‘Fabiana’, um hino para a FAB”, garantiu o ex-empresário José Guedes para a Trip. O biógrafo Vitor Nuzzi, no entanto, garante não se tratar de uma síndrome de Estocolmo. “Parece que ele está se rendendo aos antigos torturadores, mas ele não chegou a ser torturado. Quando ele volta ao Brasil, ele fica internado em um hospital militar, passa a ter uma relação com aquelas pessoas. Foi lá que ele foi acolhido. Pode ter o lado provocador dele, contra a sociedade que de certa forma deu as costas. Quem deu amparo foram as instituições militares”, pontuou ao UOL

Poeta

Atualmente, vivendo em São Paulo, ele continua escrevendo poemas, mas não mostra para ninguém, segundo garantiu o biógrafo Jorge Fernando dos Santos, autor de “Vandré: O Homem Que Disse Não”, em entrevista ao jornal O Globo. “Atrás da aparente loucura existe um homem extremamente lúcido que acompanha tudo. Inteligente, egocêntrico, que não se submete”, pontuou sobre os boatos de que o músico teria perdido a razão. “Ele vive do jeito dele, com a aposentadoria de quando trabalhava na Sunab. Vive de uma maneira muito simples, com pouco dinheiro. Ele cozinha, lava suas roupas e frequenta aqueles restaurantes populares perto do prédio dele, mas sabe cuidar de si e até faz exercícios em casa”, afirmou a amiga Telé Cardim em entrevista à revista Trip

 

Mais livros que amigos

Telé Cardim afirmou em entrevista à revista Trip que o amigo “vive cercado de livros”. À publicação, Joaquim Felipe, zelador do prédio em que o músico mora, garantiu que o ilustre morador não recebe muitas visitas. “Já teve muito jornalista procurando por ele aqui. Hoje não vem mais ninguém, todo mundo desistiu. O tempo passa, as pessoas esquecem. E ele também não abria a porta. Ele é solitário, muito solitário, fechado, mas é gente boa, também, depois de ser exilado e ter levado uns esculachos fora do Brasil… Ele odeia política. Votar? Não vota não. Ele não gosta nem de ouvir falar nesse assunto”, concluiu

Retorno aos palcos

Foi com um boné, que faz menção às Forças Armadas que Vandré voltou aos palcos em março deste ano. “Desde de 1968 que praticamente não canto no Brasil, canto aqui porque é a Paraíba”, afirmou em entrevista para celebrar o retorno após 50 anos para prestar uma reverência ao seu estado natal. O músico abriu mão do cachê e se apresentou na sala de concertos do Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, com a Orquestra Sinfônica da Paraíba e a pianista Beatriz Malnic

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Fonte UOL
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