“Por que é difícil entender que a humanidade é igualmente presente no criminoso?”

Em sua nova coluna a promotora de Justiça e mestre em Direito Penal Silvia Chakian analisa a repercussão da live de Xuxa no perfil da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), em que defendeu testes de remédios e vacinas em presos condenados

Dizer que pessoas nos presídios poderiam servir de cobaia para pesquisas e testes científicos de remédios e vacinas, para preservar as vidas animais, não é o tipo de erro que se resolve apenas com um pedido de desculpas, apesar desse reconhecimento público ter seu mérito e ser muito bem-vindo. Porque quando se sabe que mais gente pode pensar dessa forma, passa a ser necessário explicar o motivo de ser tão equivocado.

Seres humanos têm direito a igual respeito, em razão da sua HUMANIDADE. Não me refiro aos argumentos religiosos, até porque o mesmo cristianismo que sedimentou a ideia de que “todos são filhos de Deus”, a restringiu ao plano sobrenatural, já que durante séculos legitimou a escravidão e a inferioridade natural das mulheres em relação aos homens, dentre outras desigualdades.

Estou mencionando a formulação mais importante sobre dignidade na nossa história, de Immanuel Kant: “As pessoas não têm preço, têm dignidade, constituindo fim em si mesmas” e, ainda, o imperativo “age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa do outro, sempre e simultaneamente como fim, e nunca simplesmente como meio”.

Na obra Fundamentos para a Metafísica dos Costumes, o filósofo define “a humanidade como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma”. Daí porque inadmissíveis as práticas aviltantes ou degradantes contra seres humanos, que os reduzam à condição de “não humanos”.

Ninguém questiona a humanidade e o imperativo de Kant quando a questão é a dignidade de uma criança inocente ou de um “pai trabalhador”. Mas chama atenção a dificuldade de muitos em entender que a humanidade é igualmente presente no criminoso, ainda que responsável pelo pior dos crimes, hediondo. E não porque ele está cumprindo pena, porque pode ser inocente, porque pode se reabilitar ou porque merece uma segunda chance, como
andou sendo dito por aí. Mas sim porque é um indivíduo, e simplesmente por isso, dotado de dignidade humana. Ainda que nunca se reabilite. Porque a essência humana não se confunde com suas escolhas, boas ou más, e a dignidade existirá, sempre, acima de qualquer condicionante, em todo indivíduo.

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Fonte revistamarieclaire
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