A Vida Invisível de Eurídice Gusmão representará o Brasil no Oscar 2020

Longa dirigido por Karim Aïnouz é baseado no livro homônimo de Martha Batalha, confira uma entrevista exclusiva com a autora

O melodrama tropical do cearense Karim Aïnouz, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, adaptação acaba de ser nomeado pela Academia Brasileira de Letras como filme que representará o Brasil na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Estrelado por Carol Duarte, Julia Stockler, Gregorio Duvivier, Bárbara Santos, Flavia Gusmão e Fernanda Montenegro, o longa levou em maio o Prix Un Certain Regard, no Festival de Cannes, e surpreendeu novamente ao desbancar um dos favoritos do público: Bacurau.

Baseado no livro homônimo de Martha Batalha, a trama aborda a relação de duas irmãs no Rio de Janeiro dos anos 1950 – e tem pano de fundo que foge do eixo da zona sul carioca. Confira abaixo uma entrevista exclusiva com a autora:

Martha Batalha já cogitava vender torta integral de banana em Los Angeles, onde vive com o marido e os filhos desde 2014, depois de ver os originais do primeiro livro que escreveu receber um não atrás do outro das principais editoras brasileiras. Mas sua saga acabou tendo um final feliz, bem diferente das protagonistas de seus romances. Rejeitado no País, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (2016) estreou de maneira espetacular no exterior.

Sua agente literária, a experiente Luciana Villas-Boas, fez uma aposta no escuro colocando o título ainda inédito no Brasil em seu catálogo na Feira de Frankfurt de 2015. Antes mesmo de o evento começar, a editora alemã Suhrkamp pediu para ler o original, sequer editado, e fez a primeira oferta pelos direitos do livro para surpresa das duas. Em seguida vieram propostas da Noruega, da França, da Itália… Eurídice ganhou o mundo.

“Vi que havia ali algo muito especial já na primeira página. Martha conta uma história trágica, de opressão da mulher, mas de maneira leve, sem ódio e com um humor seco”, conta Luciana, que recebe em média 50 manuscritos por semana para sua avaliação. Com a boa repercussão internacional e resenhas positivas, inclusive no The New York Times, a agente voltou com o título ao mercado brasileiro, e a escritora fechou contrato com a Companhia das Letras.

O livro também teve os direitos comprados para o cinema pelo produtor Rodrigo Teixeira (nome por trás do sucesso Me Chame pelo Seu Nome, que concorre em quatro categorias do Oscar este mês) e foi o ponto de partida do filme homônimo dirigido por Karim Aïnouz (O Céu de Suely e Viajo porque Preciso, Volto porque Te Amo).

Martha (Foto: Giampaolo Sgura/Arquivo Vogue, Chico Cerchiaro e Divulgação)

O bairro carioca da Tijuca nos anos 40 e 50 é o cenário do primeiro romance de Martha, que aborda o machismo e a cultura do abuso por meio da história da cativante Eurídice Gusmão. Criada para ser dona de casa e mãe perfeita, ela passa a vida lutando para ir além desses papéis (“uma boa esposa não arranja projetos paralelos”, dizia o marido). “Tenho fascinação pelo passado e quero contar histórias que o Brasil viveu. O presente não é tão sofisticado, misterioso e mágico”, acredita a autora.

Passado e memória também são a espinha dorsal do segundo livro, o ótimo Nunca Houve um Castelo, que será lançado no próximo mês. Martha mistura personagens reais e fictícios em uma saga familiar que tem início em Estocolmo e segue para o Rio de Janeiro do princípio do século 20. A primeira parte da trama começa com a chegada do cônsul da Suécia a Ipanema, onde ele decide construir um castelo que realmente existiu no bairro.

A segunda parte se desenrola a partir dos anos 60 como neto do cônsul e sua mulher, Estela, em uma alegoria nos tempos da ditadura militar, permeada por temas como tortura, sexualidade e feminismo. “Este livro é uma resposta direta a algumas obras que me marcaram muito, entre elas 1968 – O Ano Que não Terminou, de Zuenir Ventura. Ele mostrou o que acontecia fora dos apartamentos de Ipanema naquela época. Eu quis mostrar o que havia dentro”, diz Martha.

Uma frase de Estela, a protagonista, sintetiza bem essa ideia: “Entre ficar curvada na pia ou no pau de arara, prefiro a pia”. Nos dois romances, a emancipação feminina aparece não pela afirmação, mas pela frustração de suas protagonistas. Eurídice não consegue se realizar por questões alheias à sua vontade. Estela tem condições de se emancipar, mas está mais preocupada em encontrar o marido perfeito.

Os dois livros da escritora (Foto: Giampaolo Sgura/Arquivo Vogue, Chico Cerchiaro e Divulgação)

 

Nascida em Recife e criada no Rio, Martha queria ser escritora desde a infância. Mas a decisão de se jogar na literatura parecia arriscada para alguém que cresceu ouvindo “que não poderia depender de homem”. Resolveu estudar jornalismo e trabalhou em quase todas as redações cariocas. “Ganhei uma visão de mundo e uma clareza de pensamento que não teria em outra profissão. Meu estilo virou uma mistura do pragmatismo do jornalismo com o lirismo da literatura.”

Em 2008, ela foi fazer mestrado em edição de livros na New York University. Conheceu o atual marido e nunca mais voltou. Há quatro anos, a família vive em Santa Monica, vizinha a Los Angeles. Depois do nascimento da filha mais velha, há 8 anos, Martha deixou o emprego em uma editora para se dedicar à literatura e passou a frequentar um co-working para escritores. A Vida Invisível de Eurídice Gusmão foi a quarta trama que escreveu ali. “Os outros três eram ruins. Stephen King diz que a gente precisa escavar as histórias para elas ganharem vida. Foi mais ou menos o que aconteceu comigo.” Sorte a nossa.

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Fonte vogue
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