Aos 32 anos, Palmas conserva vegetação nativa e aproxima moradores de animais silvestres

Não é difícil encontrar os bichos nas ruas, praças e avenidas da cidade, mas relação deve ser vista com respeito e cuidado. Especialista alerta que áreas de preservação vêm sendo degradadas e isso tem prejudicando a biodiversidade.

Palmas chega a seus 32 anos nesta quinta-feira (20). A capital mais nova do país ainda traz em seu DNA resquícios de interior e tem no calor uma de suas principais características, tanto no clima como no coração de seus habitantes. Cidade feita de gente e de bichos. Sim, de animais com penas, bicos, patas, escamas e caudas. Eles que habitavam essa terra muito antes de 20 de maio de 1989 ainda estão presentes, resistindo nas muitas áreas verdes da cidade.

Não é difícil encontrar a bicharada solta pelos parques, ruas e avenidas. São muitas espécies conhecidas do cerrado brasileiro, desde as capivaras que habitam o Parque Cesamar, e às vezes dão um passeio pela Teotônio Segurado, até os veados e os lobos-guará que de vez em quando aparecem pela cidade.

Quem nunca ouviu uma revoada de periquitos ao entardecer, viu um tucano se admirando nas janelastomou um susto com uma jiboia no jardim ou foi perseguido por um quero-quero? As iguanas ou os camaleões também são bastante comuns e, muitas vezes, entram nas casas em busca de alimento e até um banho de piscina.

As araras-Canindé fazem um espetáculo a parte e são quase um cartão postal da cidade. Elas estão nos pés de buriti, nas palmeiras, sempre dando o ar da graça. Uma delas sempre está presente nos treinos do jornalista, ciclista e ultramaratonista Fernando Passos.

Natural de Presidente Prudente (SP), ele chegou em Palmas em 2012 e começou a se dedicar aos treinamentos em 2017, após perder o pai. Hoje disputa provas de até 80 quilômetros. Foi em um destes treinos pela zona rural da cidade que ele fez uma nova amiga, a arara-Canindé.

Jornalista Fernando Passos em clique com a dona arara — Foto: Arquivo Pessoal

“É sensacional. Quando a gente encontra é uma felicidade porque é um animal silvestre que você está acostumado a ver de longe. Muitas vezes via quando pequeno. Nas raras vezes que ia a um zoológico via um animal desse preso em gaiola, mas assim é sensacional. É um poder da natureza que revigora a gente, uma alegria imensa encontrá-los durante os pedais e corridas”, comentou.

Outra ave muito presente na capital é a corujinha do cerrado. Inclusive, quem for fazer uma caminhada pelas praças ou atravessar os canteiros das avenidas precisa ficar de olho para não dar de cara com os buracos em que elas fazem seus ninhos. Mas, na verdade, esse nem é mais um problema, pois muitas já ganharam a casa própria.

Casinha construída para corujas tem cercas, poleiro, chaminé e até caixa d’ água — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

O professor Renato Torres Pinheiro, doutor em ecologia, estuda há mais de 20 anos os efeitos do crescimento urbano sobre a biodiversidade da capital. Ele explica que essa proximidade da fauna silvestre com o ambiente urbano está relacionada com a presença das áreas verdes.

“Isso propicia que muitas espécies silvestres sejam vistas pela cidade e de alguma forma aprendem a conviver com o ser humano. São diversos os fatores que todavia fazem com que Palmas tenha uma biodiversidade diferenciada, mas a principal delas é a presença de remanescentes de vegetação nativa dentro da área urbana e na área rural”, explicou.

O comandante da Companhia Independente de Busca e Salvamento dos Bombeiros em Palmas, Major Menezes, orienta que em caso algum animal aparecer na área urbana ou até dentro das casas a recomendação é não fazer contato. “Não mexam com esses animais, não toquem, não procurem capturá-los. Após chamar os bombeiros, se afaste e mantenha o contato visual com ele”, disse.

Segundo o militar, ocorrências com cobras são corriqueiras e os animais devem ser preservados. “No caso das serpentes, que é até cotidiano, a recomendação que a gente passa é que não matem esse tipo de animais porque eles são muito importantes para o nosso ecossistema. Ao ver um animal desse não entre em pânico, mantenha-se afastado, ligue 193 que a equipe vai até o local para fazer a captura e soltura desse animal em um local seguro”.

Nem tudo ‘são flores’

 

Segundo o doutor em ecologia, apenas uma parcela, em torno de 1% da fauna, se acostuma com a presença humana. Estes animais se adaptam porque normalmente possuem hábitos mais generalistas e uma maior flexibilidade adaptativa. Este é o caso das capivaras do Parque Cesamar, que em 2019, já eram cerca de 150 vivendo no local.

“Não havendo concorrência com outras espécies sua população aumenta, dando a falsa impressão de que a fauna da cidade também está aumentando. Dentre as espécies que se adaptam ao meio urbano, algumas delas como o pardal e o pombo doméstico, são espécies introduzidas que acabam causando problemas para as outras espécies e até doenças para o ser humano”, explicou.

Famílias de capivaras atravessa avenida Theotônio Segurado em Palmas — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Como nenhuma relação é perfeita, o avanço da cidade, muitas vezes sem planejamento, também acaba causando prejuízos para o meio ambiente e as espécies que ainda sobrevivem. O especialista explica que dentro de Palmas há diferentes tipos de vegetação nativa, como as matas de galeria que crescem próximo de cursos de água e o cerrado típico.

Cada uma possui uma fauna e flora específicas, além de espécies que vivem nos dois ambientes, mas a preservação vem sendo prejudicada.

“O planejamento da parte urbana da cidade previu a preservação apenas das áreas de cerrado florestal, ou seja, das matas ribeirinhas, comprometendo a conservação das espécies que vivem em áreas de cerrado típico. Essa diversidade de ambientes é a principal responsável pela presença de um grande número de espécies da fauna e flora na cidade”.

Cobra morreu após ser atropelada em estrada de Palmas — Foto: Fernando Passos/Divulgação

Com a perda de territórios, esses animais buscam novas áreas e ficam perdidos ou desorientados. Muitos acabam sendo mortos.

“Infelizmente acaba encontrado alguns animais mortos. Esses dia andando de bike a gente viu um filhotinho de jaguatirica morta. Você vê tamanduá, cobras. É complicado, infelizmente. Aí tem a vantagem e a desvantagem da serra ser muito próxima da cidade”, relatou o jornalista Fernando Passos.

O especialista explica que mesmo as áreas de cerrado florestal vem sofrendo um processo contínuo de degradação à medida que a cidade cresce, comprometendo a conservação das espécies que vivem nestes locais.

“Nas áreas de cerrado típico que cobrem a maior parte da cidade, o impacto sobre as espécies da flora e fauna são ainda maiores. Sabemos que isso é uma consequência natural do processo de crescimento e expansão urbana, mas quando não existem áreas protegidas para este fim, a perda de espécies é bem maior, comprometendo não só a flora e a fauna, mas a qualidade da água, do ar e de muitos processos importantes para a qualidade de vida local”, explicou Renato Torres Pinheiro.

 

Na época das queimadas, o sofrimento aumenta e muitas espécies são vítimas do fogo dentro da capital. O Stepheson Sousa, 27 anos, mora na região sul de Palmas e no ano passado registrou o momento em que um veado fugia do fogo na região próxima ao aeroporto de Palmas.

“Quem faz o percurso do aeroporto sempre se depara com animais atravessando a rua. Dois dias antes eu tinha registrado um jabuti caminhando na beira da estrada. No dia do vídeo minha intenção foi justamente conscientizar as pessoas para não colocarem fogo naquela região. No exato momento que estava gravando o vídeo me deparei com o veado fugindo, atravessando as avenidas e indo em direção às casas desesperado”, comentou.

O animal foi avistado por um motorista que passava pelo local — Foto: Stepheson Sousa

Para ele, é preciso mais atenção dos motoristas e a consciência de não colocar fogo em áreas verdes.

Pensando no futuro

 

O doutor em ecologia Renato Torres Pinheiro afirma que em Palmas ainda há muito que avançar para se melhorar o equilíbrio entre o crescimento da cidade e a preservação da fauna e da flora nativos. Para ele, a população tem tido iniciativas interessantes como o caso da casa das corujas e reivindicar uma ciclovia mais segura para Taquaruçu, mas o poder público deixa muito a desejar.

“O maior exemplo disso é o descaso com o Plano de Arborização Urbana que não vem sendo seguido. Temos uma série de prioridades elencadas que trariam melhoria de vida para a população e o bem estar na nossa cidade”, afirmou.

Araras-canindés podem ser vistas em várias regiões de Palmas — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Ele destaca que faltam ações de educação ambiental e o cumprimento de ações práticas previstas no plano de arborização, como os canteiros centrais de avenidas com poucas ou nenhuma árvores e o plantio de mudas muito pequenas, que acabam morrendo sem os cuidados necessários.

Outro problema é a distribuição de mudas para a população, em geral, sem a orientação de como e onde plantar. “Um dos maiores problemas que temos com a arborização é o plantio de espécies inapropriadas em locais ou de maneira errada gerando prejuízos, desconforto, problemas e perigos.”

“A fauna e a flora silvestre comprovadamente melhoram a qualidade de vida e o bem estar da população, mas como disse, deve haver um planejamento e ações coordenadas, baseadas em estudos e critérios bem estabelecidos. Esse é um processo que se não houver interesse e vontade política, iremos continuar perdendo todos esse patrimônio natural. Em 30 anos já perdemos quase 70% da cobertura vegetal da cidade. Já chegamos no limite previsto pelos idealizadores/planejadores de Palmas”, disse.

 

G1 convidou a Prefeitura de Palmas para participar dessa discussão, mas não houve resposta. Também foi solicitado um posicionamento sobre o descumprimento de metas estabelecidas no plano de arborização e novamente o município não se posicionou.

Corujas buraqueiros fazem ninhos para guardar ovos e se protefer dos predadores — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

 

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