Privatização dos Correios: fundos devem participar de consórcios

Empresas de entrega de encomendas e logísticas estariam entre os players interessados no negócio, assim como companhias de e-commerce como a Amazon; mercado se movimenta

Com data marcada, o leilão dos Correios, previsto para março do ano que vem, começa a atrair players globais do setor de logística e varejo, de olho na capilaridade da empresa. Em entrevista exclusiva à EXAME, Martha Seillier, secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), do Ministério da Economia, e Fabio Abrahão, diretor de concessões e privatizações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), encarregado dos estudos de modelagem econômica da privatização dos Correios, tratam sobre grupos econômicos interessados na compra da estatal e as mudanças no mercado de entregas de encomendas, baseadas no desenvolvimento de novas tecnologias e investimentos. Veja os principais trechos a seguir.

 O marco regulatório do setor postal deverá resolver a questão sobre o meandro jurídico da privatização dos Correios? Augusto Aras, ministro do STF, recentemente emitiu um parecer sobre a possível inconstitucionalidade da venda da estatal.

Martha Seillier (MS) – Esse é um ponto de atenção para a gente, mas sempre entendemos que temos segurança jurídica para avançar com o projeto. Com a legislação atual, não teríamos a segurança jurídica necessária porque só temos uma lei para endereçar o setor postal, que é a mesma lei que criou os Correios. Temos uma previsão na Constituição, no artigo 21, inciso dez, que diz que compete à União manter o serviço postal. E aí vem essa discussão do que significa “manter”.

Em outros trechos da Constituição, há menções sobre exploração de serviços públicos, se cabe à União manter ou explorar. No caso do serviço postal, há uma discussão jurídica em torno do que é “manter”. Isso implica em uma alteração legal, que é justamente o que estamos propondo e está avançando no Congresso.

Como o projeto de lei vai resolver essa questão?

(MS) – A lei vai dizer que manter o serviço postal é garantir que se tenha o olhar atento do governo na delegação do serviço obrigatório em todo o território nacional. A nova lei do setor postal vai garantir o mandamento constitucional, possibilitando atrair investimentos privados para o setor justamente porque a gente interpreta que sem esses aportes privados estaríamos colocando em risco o mandamento constitucional. Como mantemos o serviço postal em todo o país com qualidade e eficiência sem investimento, que é a realidade hoje dos Correios?

Qual será o futuro do serviço postal no Brasil e que papel os Correios poderão exercer em um novo cenário de entregas, com predomínio do e-commerce?

(MS) – À medida que os Correios perdem uma renda relevante com cartas, cuja demanda está caindo, e os concorrentes estão crescendo e investindo na entrega de encomendas, a estatal vê seu market share se reduzir na fatia lucrativa do serviço. Se não é tomada uma medida para tornar a empresa competitiva com as demais, que são privadas, vai haver uma redução cada vez maior da participação de mercado dos Correios até a estatal não conseguir mais se sustentar. Já estamos no limite da preocupação de atuar em relação a isso.

Hoje, os Correios ainda interessam o setor privado. A partir do momento em que as empresas concorrentes da estatal em entregas de encomendas vão se tornando gigantes e os Correios vêm se diminuindo, poderia não haver interesse em comprar os Correios. Temos um timing da privatização.

O projeto de lei da privatização dos Correios deve trazer um limite máximo de preços para o serviço de entrega de correspondências?

(MS) – O PL separa o que é entrega de encomendas, que tem preço livre no mercado, e o serviço de natureza mais pública, universalizado, como a entrega da carta. A Anatel ficará encarregada da regulação.

Será um modelo diferente de venda de uma estatal?

(MS) – Sim. Como estamos vendendo uma estatal que presta um serviço público, de entrega de cartas, vai ter um contrato assinado com o governo federal com regras claras sobre como manter a universalização do serviço. Estamos incluindo também a encomenda não expressa, para que as pessoas possam receber qualquer tipo de bem. Tudo isso estará estipulado no contrato de concessão.

O passivo bilionário dos Correios acende uma luz amarela em relação à capacidade da empresa de atrair investidores?

(MS) – O passivo está sendo levantado pelo BNDES, mas não há nada no sentido de acender uma luz amarela. O objetivo é ter o máximo de transparência em relação a esses valores.

Como vocês analisam o interesse dos investidores pela venda dos Correios? O maior atrativo é a capilaridade da empresa?

(MS) – Sim. O fato de estar presente em mais de 5.000 munícipios, com uma infraestrutura montada, é um grande atrativo.

Vocês têm conversado com os investidores? Quais são as principais colocações das empresas interessadas no negócio?

(MS) – Giram em torno da segurança jurídica, sobre como vai ser a atuação da agência reguladora. Existe também uma preocupação no mercado que a gente acabe amarrando mais a prestação do serviço porque hoje não temos a Anatel atuando no setor. A transparência sobre os dados dos Correios também tem sido apontada. Por isso, vamos montar um grande banco de informações e a due diligence, que está sendo feita pelos consultores contratados pelo BNDES.

A ideia de vender integralmente a operação dos Correios partiu das conversas com investidores?

Fabio Abrahão (FA) – Está ocorrendo uma transformação no Brasil e no mundo todo sobre o aumento do papel da entrega de encomendas. Do ponto de vista do mercado, há uma convergência de dois setores. Temos de um lado o setor de varejo, como Magazine Luiza, Mercado Livre, Americanas.com, Amazon, que é uma turma que nasce da transação com o consumidor.

Ela busca entender a experiência de consumo e está indo para as atividades de logística. Do outro lado, há as companhias de logística, que têm o conhecimento da operação: quem comprou que tipo de produto e quando. Essas empresas de varejo conhecem a operação no canal delas. O operador de logística conhece a operação de vários canais.

Esses dois setores, de logística e varejo, estão convergindo?

(FA) – Sim. Essa convergência acontece em meio a uma corrida tecnológica. O mercado de varejo busca fazer aquisições de companhias de logística. É o mundo do varejo caminhando para a operação de entrega.

Para as empresas de varejo então interessa muito comprar companhias de logística?

(FA) – Certamente. E o parceiro de logística trabalha com diversos canais, então ele tem um conjunto de informações diferenciado. O combustível dessa convergência é a corrida tecnológica. Uma operação logística eficiente até a última década era ter instalações no lugar certo e entregar na data prometida.

E como é hoje?

(FA) — É quanto o consumidor gasta, qual a periodicidade de compra, o que essa pessoa gasta entre a quinta e a sexta-feira. O pano de fundo da privatização dos Correios é a diminuição da parte de correspondência. Temos de um lado o setor de varejo online, que nasce da transação com o consumido e, portanto, busca entender a experiência de consumo, e está indo para atividades de logística. E de outro lado, temos as empresas de logística, que têm o conhecimento da operação, do que alguém comprou, por qual motivo e quando.

Deverá haver então uma convergência do mercado de logística para o de entregas de e-commerce?

(FA) – Sim.

Inclusive no sentido de comprar parceiros de logística, como os Correios?

(FA) – Sim. Hoje, nos Estados Unidos há um autosserviço de entregas de produtos da Amazon em postos distribuídos no país. É uma lojinha em que, com um código, o consumidor coloca no escaninho o produto e o devolve, caso não tenha ficado satisfeito com a compra. E isso é só um exemplo. E aí eu pergunto, uma estatal será capaz de entrar na corrida tecnológica por inovação?

Como isso impacta a atratividade da venda dos Correios? Que tipo de empresa está mais interessada na compra da estatal?

(MS) – Temos tido um retorno do mercado, que o timing da venda é ótimo, mas temos que concretizar a operação agora.

(FA) – O varejo e logística são setores que se interessam. Para fazer parte da corrida tecnológica, precisa também saber operar, como a Martha está dizendo. Se você analisar o Mercado Livre, o nível de dependência dos Correios há alguns anos estava em determinado patamar, hoje é outro. Isso está acontecendo com todos os players. Esse timing da venda dos Correios é percebido pelo mercado.

Que tipo de empresa de tecnologia poderia se interessar pela venda dos Correios?

(FA) – Qualquer empresa que tenha algum interesse em consumo.

E há várias, não?

(FA) – Justamente, por isso que é interessante.

Até uma empresa como o Google poderia se interessar?

(FA) — Por que não? Todos os ventos apontam para termos uma boa diversidade de interessados.

(MS) – Há várias empresas interessadas conversando conosco.

Fundos de investimento também estão interessados?

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