Justiça manda Doria devolver apostilas confiscadas por conter ‘ideologia de gênero’

Após professores entrarem com ação, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concedeu liminar anulando o ato do governador.

A Justiça determinou, na noite desta terça-feira (10), que apostilas recolhidas na semana passada por ordem do governador João Doria (PSDB), sejam devolvidas em até 48 horas aos alunos da rede estadual de São Paulo.

Na ocasião do recolhimento, Doria argumentou que tinha sido alertado de um “erro inaceitável” em materiais distribuídos pelo “SP Faz Escola” e que não concorda e não aceita fazer apologia ao que chamou de “ideologia de gênero”.

Material continha glossário sobre “diversidade sexual” e explicava o que é sexo biológico, identidade de gênero, orientação sexual, além de trazer orientações sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Ele foi distribuído para alunos do 8º ano do Ensino Fundamental, entre 13 e 14 anos, da rede estadual.

Página de material didático criticado por Doria com “erro grave” e que explicava de forma didática questões sobre gênero e diversidade.

A ação acolhida pela Justiça contra o recolhimento foi apresentada por um grupo de professores de quatro universidades públicas paulistas e de um instituto de pesquisa também nesta terça-feira.

Eles argumentam que o recolhimento foi um ato de censura e que o material explica diferentes formas de expressão da sexualidade humana.

Entre os especialistas, estão Salomão Ximenes, especialista em legislação educacional e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC), Ana Paula de Oliveira Corti e Leonardo Crochik, professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP); Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Romualdo Portela, professores da Faculdade de Educação da USP; Débora Cristina Goulart, professora da Unifesp (federal de São Paulo); e Maria Carla Corrochano professora da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos).

“Diante do exposto, defiro a medida liminar requerida para determinar a suspensão do recolhimento das apostilas do programa ‘SP Faz Escola’ destinadas aos alunos do 8º ano do ensino fundamental da rede pública estadual, material relativo ao terceiro bimestre do ano letivo de 2019″, escreve a juíza Paula Fernandes Souza Vasconcelos Navarro.

Em sua decisão, juíza ainda determinou que as apostilas não sejam descartadas ou destruídas, devolvidas aos estudantes em 48h “de modo que possam ser utilizadas pelos professores que delas necessitarem, sob pena de multa a ser fixada em caso de descumprimento da ordem”.

Em comunicado, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo nega que tenha havido qualquer ato de censura e afirma não ter sido notificada sobre a decisão do Tribunal de Justiça.

“O Governo do Estado de São Paulo recolheu o material em questão por entender que a abordagem ‘ninguém nasce homem nem mulher’ expressa na apostila é equivocada por não apresentar fundamentação cientifica. Não há censura. A Secretaria de Educação pauta as suas ações por respeito à diversidade e pelo conhecimento adquirido através da ciência e da pesquisa.”

Segundo a Folha de S. Paulo, o pedido de recolhimento do material por parte do governador privou os alunos da rede estadual de São Paulo de temas como equação de primeiro grau, figuras de linguagem e revoltas no Brasil colonial.

O jornal aponta que a apostila confiscada tinha, além das três páginas que desagradaram ao governador, outras 141, com conteúdo de oito disciplinas como arte, ciências naturais, educação física, geografia, história e inglês.

O recolhimento das apostilas pelo governo de São Paulo também é investigado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que abriu inquérito civil sobre o caso na semana passada.

Em documento, o MP reforça que a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) não veda a abordagem de temas relacionados aos Direitos Humanos, orientação sexual e identidade de gênero para o 8º ano.

O que é ideologia de gênero

A expressão “ideologia de gênero” foi cunhada por religiosos, não é reconhecida no universo acadêmico e normalmente é usada por grupos conservadores que se opõem às discussões sobre diversidade sexual e de identidade de gênero.

Com frequência, o termo é utilizado por políticos para fazer críticas a governos de esquerda e a políticas educacionais, como o “kit gay”, que foi citado de forma agressiva por Bolsonaro durante a corrida eleitoral de 2018.

Neste sentido, falar sobre questões de gênero ― que incluem desde violência contra a mulher até direitos da população LGBT ― nas escolas seria um fator desviante na concepção de ideia tradicional e cristã de família e também uma forma de incentivo à homossexualidade.

A teoria de gênero é reconhecida por estudos acadêmicos, é comumente confundida com o que conservadores e religiosos chamam de “ideologia de gênero”. A teoria aponta que gênero e orientação sexual são construções sociais e, por isso, não podem ser determinadas por fatores biológicos ― e, por este ponto, é apontada como uma “ideologia” que deturparia a sociedade.

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Fonte huffpostbrasil
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